Crítica | Touro Indomável (Raging Bull)


A redenção, de Martin Scorsese. O caloroso e conturbado, Touro Indomável. 
                                       
Touro indomável (Raging Bull), de Martin Scorsese não é apenas um filme de luta, mas sim a biografia de um homem que o seu maior adversário foi ele próprio. Um homem jogando a fúria e frustrações de sua vida no esporte em que pratica. 

Considero Touro Indomável, como a redenção de Martin Scorsese, após o fracasso de bilheterias em 1977 com New York, New York, em 1980 Scorsese mostrava quem era Martin Scorsese com Touro Indomável, o filme não exalta o lutador em momento algum. Algo muito comum em obras biograficas da época, que tinham como padronização enaltecer as figuras, para a verdadeira face dos indivíduos não virem a tona. Uma forma muito superficial e conceitual, e fugindo do real proposto de algo biográfico. 

Baseado no livro, Raging Bull: My Story, em 1980 Scorsese faria um de suas obras-primas mais aclamadas e memoráveis de todos os tempos. Mergulhamos na psique doentia e possessiva de Jake LaMotta, de um modo em que, cenas que o lutador está dentro dos ringues, se torna um mero detalhe de sua mise-èn-scene, Touro Indomável
de Martin Scorsese, narra a história do lutador de Box peso médio, Jake LaMotta (Robert De Niro), um lutador, um Touro Indomável dentro dos rings, e que fora deles tinha uma vida completamente turbulenta. O filme de Scorsese, mostra o auge e o declínio de um dos melhores lutadores de todos os tempos, mas que infelizmente, teve uma vida decadente, pelo modo de como à desfrutava.

A premissa temática, pode se parecer como um filme de luta, Mas, não. Touro Indomável é um dos melhores estudos de personagens do cinema, Scorsese contradiz tudo e a todos, trazendo para sua filmografia, uma história de fracasso, uma vida de lutas e glórias. Algo que não era comum em Hollywood ou em filmes da época, quando assistimos ao filme de Scorsese, nos perguntamos, o por que, Jake era assim? Um homem que interpreta e encara a sua própria vida como uma luta, uma luta de ganhar ou perder, ou apenas uma luta de ganhar, pois o personagem não se conforma em momento algum com o que não está proposto em seus planos, uma certa obsessão doentia por uma vida perfeita. O personagem não encara a vida como ela é, mas à encara como um jogo, ou uma luta de box. 

Sentimos um certo temor de Jake, a sua astúcia e seus atos como homem e lutador, nos transmite uma atmosfera temerosa e sombria, sem ao mesmo conhecê-lo pessoalmente. Scorsese por meio de seus métodos decupatorios, utiliza os Storyboards como um meio de planejar os acontecimentos que serão feitos em cena, uma metodologia muito autoral e válida, porque na maioria das vezes, cineastas não conseguem expressar suas ideias conceituais que serão transmitidas em tela, ou seja, expressar ideias por meio de desenhos, é algo que pode facilitar e explorar ainda mais o que o cineasta quer nos mostrar. 

A montagem, nos faz refletir que mesmo diante de tantas conquistas, o lutador ainda se encontrava perdido em sua própria mentalidade. O seu casamento com a jovem Vickie (Cathy Moriarty), vitórias invictas dentro dos ringues, apoio profissional e emocional de seu irmão Joey (Joe Perci), ou seja, mesmo em seu auge, Jake se encontrava a mesma pessoa como era. Fazendo o espectador meditar na descrença humana, uma descrença que mesmo diante de fama e bens materiais, é uma "felicidade" crua e momentânea. 

Jake LaMotta, desconta o seu desleixo como ser humano, no esporte em que pratica. Como se cada luta, fosse a sua última, e que cada golpe, valesse a sua vida. A ambientação e climatica de cada golpe, é digno de uma salva de palmas. Uma mistura de calor, aflição, raiva e competitividade. Scorsese não dosa a quantidade de sangue que irá jorrar do rosto dos lutadores, e até no rosto dos torcedores. Não vejo isso como um romantismo a violência, cada cineasta tem um método próprio e autoral para sua filmografia, Scorsese traz algo realista, e ao mesmo tempo psicológico para seus filmes, Taxi Driver (1976), é um filme que ilustra a violência e injustiças reais das ruas de Nova York, um filme anti-ideal para o que Nova York representa, Scorsese traz uma cidade no seu apogeu da escória Nova Iorquina, ou seja, a sociedade que vivemos, opta pelo "certo", proposto por uma sociedade idealista, e que acaba desvalorizando trabalhos de grandes artistas. 

A construção dramática e narrativa, é uma aula de como uma obra biográfica deve ser construída. A narrativa é paciente e ciente do que está fazendo, a maioria dos erros de filmes biograficos, é pular algo importante da vida do indivíduo, trazer algo sem importância alguma para o filme, ou distorcer do real proposto da obra original. Não é o caso de Touro Indomável. O cineasta aborda um esporte que todo americano é apaixonado, o Box, e escolhe como abordagem referencial para a premissa principal de seu filme. Um pensamento inteligente para como aquilo irá impactar o espectador, apresentando aos fãs do Box, seu modo de fazer cinema. O esporte apenas serve como um atrativo para o leigo, para assim, nos mostrar a verdadeira mensagem que o filme quer nos passar. 

Touro Indomável, é filmado em preto e branco por causa de um erro. Scorsese tomou esta decisão motivada pela cor das luvas, que estavam erradas para à época em que se passa o filme. Um erro que deixa o filme muito mais memorável e único, inúmeros filmes biograficos, e filmes de luta são coloridos, ou seja, por conta de um "erro", Touro Indomável se torna ainda mais inolvidável por suas cores em preto e branco. 

Nos anos 70' e início dos anos 80', Scorsese foi hospitalizado após quase ter uma overdose de cocaína, mas Robert de Niro estava motivado a ajudar o amigo a voltar a dirigir, ao mesmo tempo que estava obsecado pela biografia de Jake LaMotta. Scorsese, se consagrou como um grande nome no cinema após Touro Indomável. Quando o assunto é sobre a psique humana, e o modo que a fama ou coisas mundanas podem acabar com a vida de um homem, Scorsese consegue dominar totalmente essa ideologia. Vimos como o diretor consegue apresentar e evoluir a narrativa sem nenhuma insegurança ou medo de errar algo verídico. Por se tratar de uma obra biográfica, Touro Indomável poderia virar chacota ou piada por erros grotescos. Mas Scorsese não foi motivo de nenhum riso, e conseguiu levar o espectador em imersão ao primeiro momento do filme até os créditos finais. Usando a dosagem certa de brutalidade e drama, inclusive violência feita contra mulheres, algo muito delicado e temível de ser mostrado nos cinemas. Mas o cineasta escolhe da forma certa, cada ângulo que os golpes são feitos. 

O trabalho redentor de Martin Scorsese, que resultou em uma das melhores biografias de todos os tempos. Manipulando o leigo, e apresentando o seu modo de fazer filmes, trazendo a biografia de um lutador que seu maior adversário era sua própria vida, Touro Indomável é nada mais, nada menos, que uma biográfia de um fracassado, ou um fracassado que abraçou o próprio fracasso. 




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