Crítica | Gosto de Cereja (Taste of The Cherry)
A simplicidade de Abbas Kiarostami, e à profundidade moral e espiritual em suas obras.
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Dirigido por Abbas Kiarostami, foi o vencedor no Cannes Filme Festival 1997 Palme d'Or, e do Prêmio da Sociedade Nacional de Críticos de Cinema para Melhor Filme Estrangeiro em 1999.
A simplicidade, que Kiarostami consegue levar uma narrativa e uma trama "simples", mas ao mesmo tempo delicada. Mas não no sentido pejorativo, e sim filosófico como um todo.
Mr. Badii (Homayoun Ershadi), é um homem meia-idade, que está a procura de alguém que esteja disposto a ajudá-lo à com sua própria morte. Ele já cavou sua própria cova em uma montanha, mas ninguém aceita sua proposta, uma proposta que não há volta, mas, Mr. Badii encontra um velho taxidermista turco, que quando jovem tentou cometer suicídio, mas foi impedido pelo sabor de uma cereja.
Podemos considerar que, Gosto de Cereja (Taste of The Cherry), é um dos Road Movies mais tocantes já feitos, um Road Movie que diferencia pelo seu poder reflexivo e didático para o espectador. Sinto que o filme de Kiarostami, é um filme sobre o sentido da vida. Em momentos de nossa vida que podemos nos questionar o por que estamos vivendo, o cineasta responde isso com um naturalismo muito simples digamos, uma cereja, a cereja dita nos diálogos, tem um poder sereno e muito meditativo para o filme, nos fazendo entender que o sentido da vida está em coisas simples, e que o mundo ainda procura solução para nossas vidas mesmo em momentos árduos e sem saída, a natureza tem piedade de nós, mesmo que está piedade falte em nosso ser.
A camera que acompanha as idas e vindas do personagem, se torna uma espécie de entidade misericórdiosa para ele, uma entidade que persiste em ajudá-lo a vencer este pensamento tão sombrio e negativo. Sinto que tudo que está posto em Gosto de Cereja, serve como um meio de socorro para o protagonista, em uma mente dominada pela obscuridade negativa de sua própria vida. Algo que serve como um meio de reflexão de seus atos que irão ser tomados, areias que descem do pico de uma montanha, paisagens ensolaradas e iluminadas pelo sol e pessoas que procuram ajudá-lo de alguma maneira.
A áridez das cenas decupadas, nos traz um certo sentimento angústiante e desamparador, é como se estivemos diante à um longo e imenso deserto, e que não temos saída, não temos água, comida, e aos poucos não vamos mais conseguir ficar vivos, ou seja, Gosto de Cereja, por meio de sua decupagem nos mostra e nos faz sentir que estamos desabrigados em nossa própria vida, e que estamos dentro de um poço esquecido por qualquer empatia humana.
O protagonista, na maior parte do filme, está dentro de seu carro. É como se o carro fosse algo que o fizesse se esconder para o mundo, como um pássaro dentro de uma gaiola, e que sua verdadeira felicidade está na natureza, ou seja, não conseguimos ser felizes com coisas que trazem felicidade para o próximo, e que não trazem para nós. O que pode ser motivo de riso e alegria para alguém, não pode ser para o próximo. O personagem se encontra fechado no seu carro, na sua vida, e também em suas feições. O personagem não sorri, e não se sente feliz em momento algum no filme, trazendo um sentimento de angústia e lástima à quem assiste.
Abbas Kiarostami, faz algo que remete ao documental em Gosto de Cereja. A câmera, é o olhar do espectador que tenta de todas as formas socorrê-lo e documentar todos os seus pensamentos, emoções e sentimentos serão omitidos apenas pelo modo que Kiarostami leva a narrativa de seu filme. Baseado no que o filme é proposto, para sua trama, fazer algo que faça lembrar de uma obra documental, soa muito convidativo e válido para o que o filme propõe.
Em uma sociedade contemporânea, onde a depressão e doenças relacionadas ao psicológico, é algo muito comum em pessoas de qualquer idade, etnia ou classe social, ou seja, qualquer meio de ajuda é bem vindo. O cineasta consegue fazer um bom filme apenas usando um carro, montanhas, e atores não profissionais, ou seja, toda via será possível de se fazer um bom filme, Gosto de Cereja, é um filme simples em sua mise-èn-scene. Mas, não se rende ao simplório muito menos ao monótono, pois conseguimos tirar coisas positivas e prósperas com o filme de Kiarostami e que levamos não apenas para nosso repertório cinematográfico, mas para nossas vidas.
E se realmente, se essa foi a intenção de Kiarostami, Gosto de Cereja se torna uma obra de arte. Uma obra que se torna muito prestativa para os dias de hoje. Pois não terminamos ao filme sem tirar uma menssagem, ou várias mensagens. Que mesmo com recursos simples e básicos do cinema e do cotidiano, é possível fazer um bom conteúdo, um conteúdo que pode ser um salvador de vidas.
Gosto de Cereja (Taste of The Cherry), Irã - 1997
Diretor: Abbas Kiarostami
Elenco: Homayoun Ershadi, Abdolrahman Bagheri,
Afshin Khorshid Bakhtiari, Hossein Noori, Elham Imani, Hamid Masoumi, Abdol-Hossein Bagheri, Safar Ali Moradi, Ahmad Ansari, Ali Asghar Seyedi.
Roteiro: Abbas Kiarostami.
Duração: 99 minutos.
Por: Felipe Porpino
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