Crítica | O Homem Elefante (The Elephant Man)

                                   
Considero os filmes do cineasta David Lynch, um quebra-cabeça semiótico. Sua filmografia é repleta de obras experimentais. Mas, O Homem Elefante (1980) é um caso à parte, pois não se trata de um filme que, à primeira vista, nos remete à filmografia de Lynch, mas podemos considerar o filme como um experimento humano. O diretor apela de todas as formas ao limite da falta de amor e empatia ao próximo. Por isso, vejo o filme como uma das obras mais emocionantes do cinema de todos os tempos. A beleza humana é apagada, para a real face humana surgir em meio a uma névoa de penitência e sofrimento. David Lynch se desapega de sua metodologia "cult", podemos dizer. Mas nada disso se torna inútil, e sim útil. Uma utilidade precisa para emocionar o espectador e marcar a história do cinema. 

Jhon Merrick (John Hurt) é um jovem condenado a uma vida miserável por ser portador de deformações que desfiguram sua face e seu corpo. Jhon é tido como uma aberração, chamado de "O Terrível Homem Elefante", em shows de horrores locais. Mas, Dr. Frederick Treves (Anthony Hopkins), se sensibiliza pela trágica e mísera vida de Jhon Merrick e está disposto a ajudá-lo. 


Antes de começar esta crítica, eu quero começar com uma salva de palmas para, Wally Schneiderma e Christopher Tucker, pelo incrível e trabalho na caracterização de John Hurt para John Merrick. Que resultou em um trabalho muito fiel à verdadeira fisionomia Merrick (O Homem Elefante). 


 Em primeiro lugar, temos que ponderar o filme por alguns elementos essenciais escolhidos pelo cineasta: o sofrimento, a desumanidade perversa, a bondade, a misericórdia, e por último a fé. David Lynch utiliza tais sentimentos que temos, para que a intenção real proposta pela obra se propague. Como se a névoa e a fumaça envolta em cenas do filme fosse esse sentimento que sentimos. A crueldade é um ponto sintomático chave no filme, algo que irá trazer o impacto sintomático principal para o espectador. A maldade ou a malquerença talvez seja o tópico que se alastre com mais força no longa, um sentimento forte de comoção e dor que está ligada à nossa empatia perante a penitência e sofrimento vivido por alguém. E por último, temos a fé ou a crença em Deus, em minha opinião, é isso que trará toda diferença na narrativa, algo que irá trazer um peso drástico para a narrativa.

Acho bem provável que David Lynch dirigiu esta triste cinebiografia com intuito de partir nossos corações. É realmente lamentável ver o nível degradante da impiedade a que o ser humano pode chegar por se tratar de alguém com deformações físicas. Por mais que Jhon Merrick seja portador de uma doença que deforma seus membros e face, a face mais desfigurada de tudo isto não é a de Merrick, e sim a face humana. O diretor equilibra um meio-termo emotivo, um meio-termo que envolverá o terror, o suspense e o drama. É como se, nos minutos iniciais do longa, o preconceituoso e o ignorante fosse nós mesmos. E na troca do primeiro ato para o segundo ato somos o amigo de John Merrick. 


O longa, dirigido por David Lynch, disputava com Touro Indomável (1980), de Martin Scorsese, no Oscar de 1981. Ambas as obras são biográficas e filmadas em preto e branco. O filme conta com uma abordagem vitoriana sombria, é comum vermos filmes sobre essa época que são abordados de formas grandiosas e majestosas, mas não é o caso de O Homem Elefante. Podemos dizer que o filme propõe uma verossimilidade ética e temporal muito ampla em quesitos de mise-èn-scene e fotografia. Ruas esfumaçadas no apogeu de sua escória humana transmitem os reais preconceitos de uma Londres no cume de sua incivilidade humana. É até engraçado que o diretor queira trazer algo amedrontador e rude nos minutos iniciais do longa, mas se pensarmos com mais sutileza, toda essa intenção de Lynch se torna muito bem utilizada e pensada. Nos primeiros estantes, somos o sujeito curioso e intolerante, e enquanto nos aprofundamos na trama, nos tornamos o indivíduo emotivo e pensativo.

David Lynch é um diretor experimental. Mas, o cineasta utiliza muito pouco de sua autoria neste filme, para que a emoção sentida pelo espectador seja o elemento de linguagem predominante no filme. E todo esse desapego à própria autoria cinematográfica se torna algo muito importante para o resultado do projeto. Mas, por mais que o longa não se utilize saturadamente de elementos experimentais, o experimento está por sua vez na escumalha Londrina. 


Costumo dizer que um dos maiores problemas de obras biográficas é a autenticidade histórica de fatos. E não podemos cogitar que obras literárias sejam idênticas com obras cinematográficas, devemos analisar e julgar individualmente, e não partir de uma cartilha individualista. O Homem Elefante não quer fazer parte de uma cartilha cinematográfica do cineasta. Eu sinto que David Lynch foi tocado tão profundamente com a história de Merrick, que sua autoria audiovisual foi desbotada sem recôndito algum. E isso é ótimo, para ordem de fatos históricos, exceptuando nossas vidas e a história do cinema. 

Assim como todas as obras cinematográficas, existem significados explícitos e implícitos. E, por mais que o filme vitimize a triste história de Jhon Merrick. Jhon é novamente feito de atração teatral, mesmo após ser resgatado por Frederick. Podemos dizer que o doutor Frederick Treves foi o grande herói na vida de Merrick, mas há momentos em que o próprio questiona seu próprio caráter, de estar se aproveitando de alguém doente para ganhar fama. Insumo, Jhon Merrick é feito de um mero objeto, um objeto que traz dinheiro e fama aos envolvidos, um envolvimento graças à desgraça alheia. 









                                     

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