Crítica | Ilha do Medo (Shutter Island)
A moldabilidade linguística e plástica de Martin Scorsese com o cinema contemporâneo.
É interessante como Martin Scorsese adepta o seu estilo de fazer cinema à cada década. Levando à ideia de que não há obras atemporais, mas cada obra faz parte de um registro temporário. Filmes como Taxi Driver (1976), Touro Indomável (1980), Os Bons Companheiros (1990), são filmes que são articulados com uma cartilha própria e autoral de seu tempo. Scorsese, não é um cineasta que traz saudosismo em seus filmes com uma filmografia que segue padrões eternos. Tal tópico que vemos naturalmente na maioria dos cineastas. Mas, Martin Scorsese nos impacta de forma profunda à cada filme seu, mostrando novamente ser um gênio quando o assunto é dirigir filmes. E mesmo que o seu módulo seja articulado diferentemente ao passar dos anos, os estudos psíquicos ainda fazem parte de sua metodologia autoral. Ilha do Medo (2010), talvez seja um de seus filmes que mais ressalta este método de exploração psicológica. Chegando à tal ponto que não sabemos quem está ficando louco, duvidando até mesmo de nossa própria sanidade mental. Se a verdadeira intenção de Martin Scorsese foi trazer uma dúvida psicológica ou existencial, devemos uma salva de palmas para o cineasta. O longa, chega à um ponto que não sabemos quem está ficando lunático, chegando à uma desenganamento mental do próprio indivíduo (espectador).
Há muitos recursos psicológicos do Thriller que podem ser articulados para causar diversas sensações ao indivíduo. O cineasta procura nos prender à um sentimento claustrofóbico em um lugar isolador. Quem sofre de claustrofóbia ou temor à lugares desconhecidos, talvez sinta um certo desconforto com este filme de Scorsese. Pois o cineasta intensionamente nos imerge em um lugar sombrio e desconhecido, para causar desconforto físico e principalmente desconforto mental. É aí que chegamos à um ponto chave precioso que o longa utiliza, o desconforto psicológico. Um sentimento passado por devaneios e traumas passados de uma vida que não sabemos à verdade por trás de tal passado. Pesadelos e alucinações em um lugar que nossa mente discretamente propõe ser um lugar perigoso. E com esses recursos lúdicos e claustrofóbicos, que são articulados para uma experiência "X" ao filme. Pois se tem algo que tememos, é ao desconhecido. Martin Scorsese utiliza essa "falha" humana como um recurso que perpetua em toda à narrativa.
Assim como à maioria dos filmes de Martin Scorsese, o cineasta apela para ambiguidade narrativa em alguns aspectos. Ilha do Medo (2010), é um filme de tirar o fôlego à todo estante. Aqui temos, Leonardo Dicaprio, como um detetive dos Estados Unidos, que está encarregado de investigar um suposto desaparecimento de uma paciente com distúrbios mentais em uma ilha isolada. À trama se desenvolve com reviravoltas e segredos opacos com à fumaça do tempo. Chegando à um certo ponto de dúvida pessoal, uma dúvida se estamos pensando demais, ou estamos ficando paranoicos.
É interessante como o diretor utiliza uma simples premissa para desenvolver um filme com destinos ambíguos e indefinidos. Scorsese, é um cineasta que consegue pegar premissas simples, e torná-las em complexas e instigantes. O filme conta com uma decupagem lunática e claustrofóbica, sentimos o que é esta em um lugar carregado de más energias e intenções. À manipulação está presente em forma de montagem, trazendo até uma certa plasticidade em devaneios. Alguns quadros ressaltam à ideia de obras artísticas plásticas, que talvez foram como referência para o cineasta realizar tais cenas. Tudo isso, é como uma chuva de delírios que caem sobre nossos olhos e penetram profundamente nossa alma.
É comum o espectador esperar certas previsibilidades nos filmes de Scorsese. Como um clímax de extrema violência e de destinos incertos e equivocados. Mas mesmo assim, o cineasta não deixa brechas para nosso imaginário distinguir os destinos finais. Ilha do Medo (2010), partilha de uma cartilha própria de Scorsese, um clímax com atos perplexos e violentos. Não vejo Martin Scorsese como alguém que romantiza à violência. Costumo sempre dizer que para se tornar um bom cineasta, à autoridade de ideias e concepções filmicas obrigatoriamente precisam fazer parte da mentalidade do indivíduo. Precisamos nos desprender de pensamentos limitadores que limitam à compreensão de um gênio.
É necessário uma ressalva à atuação de Leonardo DiCaprio, que no longa se encaixou perfeitamente para o papel de um detetive entrando em uma caverna de ratos famintos. Há momentos em que não sabemos se sentimos repulsa ou pena pelo personagem. Sempre digo que Ilha do Medo (2010), é um dos filmes mais manipuladores da filmografia de Scorsese. Em alguns momentos que levam à pensar que à fonte manipuladora do mestre do suspence Alfred Hitchcock, ainda está à jorrar. Pois quando se trata de Alfred Hitchcock e Martin Scorsese, é resultado de um bom Thriller.
Lembro da primeira vez que assisti à Taxi Driver (1976), provavelmente tinha por volta de 8 a 10 anos de idade em uma TV à tubo. Me lembro ter ficado abismado e com temor de certas atitudes tomadas por Travis Bickle. Tenho uma relação muito profunda com as obras de Scorsese, desde meus primeiros momentos com o cinema, o cineasta foi responsável pela minha curiosadade em conhecer e estudar à sétima arte. E mesmo que o tempo passe rapidamente, à recursos que transpassa à ideia de um apego à filmes que estrearam à sua mentalidade como cineasta. Taxi Driver (1976) e Ilha do Medo (2010), partilham de um perigo eminente logo no início de filme. Em que a fumaça que representa o perigo é penetrada com algo que está prestes à resolvê-la.
Em suma, à adequação de Scorsese ao decorrer dos anos, é algo presente. Mas uma pequena dose ainda permeia o seu estilo como cineasta. O diretor não abandona à suas raízes que foram parte de seu sucesso como diretor de cinema. Entra ano e sai ano, os filmes de Scorsese serão bons do mesmo jeito. O que mais me chama atenção é a variedade de recursos adeptos à cada época do cinema, Martin Scorsese é um cineasta que utiliza à psique como uma premissa que se eterniza no enredo narrativo, mesmo contrastando entre recursos autorais e contemporâneos, ainda conseguimos ver uma identidade que se perpetua em seu modo de dirigir filmes.
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