Crítica | Gritos e Sussurros (Viskningar osh rop)

Problemas familiares causados por traumas psicanalíticos

O surrealismo distópico e fantasioso de Ingmar Bergman sempre trouxe premissas complexas, ambíguas de serem discutidas e difíceis de serem engolidas. Na maioria das vezes, uma morbidez estética e atmosférica extremamente carregada que hipnotiza a ótica e a mentalidade do indivíduo, e que bloqueia o espectador de raciocinar ou de tomar à frente de seus próprios pensamentos individuais e filosóficos sobre a vida terrena e espiritual. Afinal de contas, qual é o sentido da vida? Para onde iremos depois da morte? Uma dúvida que provavelmente se perpetuou por um bom tempo na mente do cineasta, filmes como: O Sétimo Selo (1957), Morangos Silvestres (1957), são obras cinematográficas que dialogam e arriscam à sua "autenticidade" narrativa em definir ou provar algo canônico da nossa passagem de uma vida terrena para um plano espiritual. Me parece que sua dúvida e temor se deslocou como um objeto criativo de suas ideias enquanto cineasta, e seu ato e maestria de dirigir filmes seria como um resultado de sua desconfiança carnal. 

É um fato que somos seres humanos. Somos imperfeitos e mortais, ou seja, o hábito "defeituoso e imperfeito" de traumas passados, temores ou inseguranças faz parte de quem realmente somos e do indivíduo que iremos nos tornar futuramente, afinal de contas, não somos super-heróis destemidos com super poderes. Ao invés de procurar barreiras e ferrolhos criados por nossos bloqueios psicológicos, devemos usá-las como um escudo motivacional para realizar e concretizar aquilo que desejamos. E me parece que o cineasta partilhou e utilizou temores pessoais como algo que lhe trouxe forças, e articulou naquilo que sabia com excelência. 

Eu admito, sou um grande fã do cinema de Ingmar Bergman! Arrisco dizer que o diretor foi um dos melhores e mais influentes cineastas que articularam histórias audiovisuais, partilhando de elementos do movimento surrealista na sétima arte. Bergman, um cineasta que abriu portais e criou caminhos para uma realidade ficcional quimérica totalmente distópica e paralela, costumo dizer que, o diretor criou à sua própria atmosfera artística como um objeto de constantes remodelações que seriam capazes de articular formas diversas de histórias imaginárias para o seu cinema. Praticamente, todo o contorno de sua filmografia são enxurradas por enigmas herméticos e profundos, que são carregados de dúvidas próprias. 

Se dependesse de minha paixão, poderia passar horas e horas apenas escrevendo e discutindo sobre as obras-primas dirigidas pelo cineasta sueco. Mas, dentro de uma porção cinematográfica, está Gritos e Sussurros (Viskningar osh rop), um de seus filmes que mais realça e utiliza de uma energia mórbida e desfalecida que envolverá certos assuntos que flertam de maneira narrativa com a psicanálise. O longa procura separar e deslocar elementos que irão ser a chave de uma dialética narrativa e coloca-os em uma fila de espera, ou seja, há uma organização importante para destacar assuntos de forma didática que caminhará aos pés de uma ideia sobre a obra. Gritos e Sussurros (Viskningar osh rop), propõe um destaque psicológico e estético que estão em um mesmo parâmetro. O melhor de tudo isso, é que não fica algo desorganizado e esquecido. 

Em suma, Gritos e Sussurros (Viskningar osh rop), traz uma ideia onde, quando uma infância é atribulada ou atordoada por maus acontecimentos, o resultado será fissuras e traumas na fase adulta. Irei resumir em breves palavras à teoria de Jacques Lacan, sobre a fase dos espelhos do desenvolvimento infantil. Em nossa fase infantil, não sabemos quem realmente somos, então, espelhamos o ideal de um indivíduo para nós mesmos. Isto ocorre de forma imperceptível até hoje quando entramos em uma sala de cinema e assistimos a um filme, ocorrendo uma regressão da fase dos espelhos em nossa infância, ou seja, emergimos a um mundo e uma atmosfera que foge da nossa realidade humana, entramos em um estado de transe, e, nos identificamos com os atos e os personagens que estão na telona. 

Se levarmos em conta todo o passado sombrio como um estudo que resultará em ideias sobre a obra, todo o maneirismo que acaba fazendo parte da mise-èn-scene se torna algo invisível e minimalista que apenas realça a malícia e as segundas intenções dos personagens. Para mim, este é o poder maioral do longa dirigido por Ingmar Bergman. O cineasta procura mesclar o maneirismo que está explícito na mise-èn-scene e contrastar à psique. Em última análise, o longa é um filme vivido e mórbido ao mesmo tempo, conseguindo contrastar de forma exagerada e fervente elementos narrativos que são totalmente diferentes um do outro. 








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