Crítica - Onde Fica a Casa do Meu Amigo (Khane-Ye Doust Kodjast?)


Sinceramente, estava morrendo de saudades de assistir a um filme dirigido pelo saudoso cineasta iraniano Abbas Kiarostami (1940-2016). Eu me lembro como se fosse ontem o primeiro contato que tive com o seu cinema, talvez isso seja algo que tenha acontecido com a maioria das pessoas que conheceram as suas obras, com um de seus filmes mais memoráveis e renomados, Gosto de Cereja, do ano de 1997, (vencedor do Palma de Ouro no festival de Cannes em 1997 e ganhador do prêmio FIPRESCI no mesmo festival daquele ano). 

O meu grande amor e o meu entusiasmo com os trabalhos dirigidos por Abbas Kiarostami começou com Gosto de Cereja, de 1997, e principalmente, O Vento nos Levará, de 1999, (foram os precursores do mergulho que comecei a praticar dentro de sua filmografia). Inclusive, esses filmes foram uma recomendação de um grande velho amigo, que, aliás, também é crítico de cinema. Eu estava à procura de um diretor de cinema que fugisse de um maneirismo, um maneirismo que estava em seu auge na época, então ele me disse que Abbas Kiarostami era um grande explorador de temas e questões banais. Mas que traziam extensas e profundas questões morais, éticas e sociais e com resquícios que remetiam a certos teóricos da Cahiers du cinéma.

Após Mohamed Reza Nematzadeh, interpretado por Ahmed Ahmed Poor, esquecer o seu próprio caderno escolar nas mãos de seu melhor amigo Ahmed Ahmadpoud, interpretado por Babek Ahmed Poor, começa uma busca por entregar aquilo que não pertence a si, mas, sim, a seu amigo. Mesmo que o diretor se arrisque nessa inocência poética, eu ainda me atrevo a dizer: Onde Fica a Casa do Meu Amigo? É um dos filmes mais moralistas e fáceis de serem digeridos de Kiarostami, um filme que não fica reverberando em nossa mente quando terminamos de assisti-lo. Basicamente, a maioria dos filmes que são dirigidos pelo diretor são semióticos e ressonadores, filmes que ficam boiando por meses ou até anos em nossas cabeças. É um longa-metragem que parte de simples fundamentos. 

Em suma, o que sempre me chamou atenção em seus filmes foram como ele lidava com as questões mais banais do dia a dia e as transformavam em discursos poéticos que transferiram questões que se encaixam em qualquer tempo, e, em qualquer sociedade, trazendo um senso atemporal que perpetuaria por um longo tempo, ou, para sempre.

Se pararmos para prestar atenção, conseguimos enxergar os traços bazinianos em grande parte de seus filmes, o cineasta mostrava sempre uma preocupação de como aquele realismo iria impactar frontalmente aquele indivíduo, um espectador imerso naquelas imagens, naqueles cômodos, naquela vizinhança e na vida dos personagens. Os planos longos e abertos traziam uma vivência pessoal naqueles espaços e, também, naquele lar familiar (era como se nós estivéssemos vivendo aquilo que está sendo exibido). A luz ambiente, as montanhas e as paisagens áridas, era uma viagem com tudo pago que prometia para o passageiro uma viagem de lições, algo que levaria a uma própria meditação individual, resultando numa edificação espiritual. 

Vocês já devem estar cansados disso, mas eu já disse em outros textos passados, e direi novamente... Abbas Kiarostami é um fã de carteirinha de André Bazin (1918-1958). Se Bazin estivesse vivo na época em que Kiarostami dirigia filmes, com absoluta certeza que ele adoraria seus filmes. Não existe data de validade nas teorias cinematográficas.

O uso de atores não profissionais era algo costumeiro em seus filmes (usado para alimentar uma espontaneidade para aquelas cenas). Mas, não eram apenas os atores amadores que desempenhavam os papéis principais, a própria cidade/vilarejo faz parte de todo um elenco, ou seja, é como se tudo que é exibido tivesse uma vida própria, trazendo uma totalidade poética e plástica, fazendo parte de um todo. Um plano-geral em um filme dirigido por Abbas Kiarostami diz muito mais do que quinhentos planos-sequências em um filme nos dias de hoje. 

Sinto um saudosismo em querer presente aquilo que está sendo ultrapassado, vimos isso quando Ahmed Ahmadpoud está passeando à procura de seu amigo no vilarejo com um carpinteiro. Esse diálogo traz uma melancolia, ou melhor, uma saudade daquilo que é realizado com as nossas próprias mãos. É uma espécie de tristeza evolutiva, onde uma desvalorização braçal está prestes a acontecer, na verdade, já está acontecendo. São os sentimentos depressivos que irão ser um pretexto formador de uma futura índole, um caráter puro e honesto.

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