Crítica - Pearl




O celeiro da fazenda está com as portas fechadas. Nós, espectadores, enxergamos somente as brechas para a parte de fora, pequenos espaços onde há uma pequena luz que ilumina parte do celeiro. Alguns segundos depois, vemos uma doce e linda jovem admirando sua beleza encantadora no espelho, usando um vestido que pertence à sua mãe. A luz se apaga, e começa uma música, uma música que transmite glória e beleza, com ondas sonoras que refletem e salientam o narcisismo de uma jovem mente sonhadora. O quarto está à sua disposição, criando uma luz e desfazendo-a apenas para satisfazer aquilo que está em suas vontades malévolas. Tudo isso parece uma pintura, um quadro chiaroscuro, um contraste de luz e escuridão. Eu seria um completo idiota em escrever um texto sobre um filme sem citar certos acontecimentos que são essenciais para dar continuidade à reflexão. Eu falo isso porque, querendo ou não, são implantes para o futuro daquela narrativa, algo que só iremos compreender com o caminhar da narrativa.

"Pearl" (2022) é um filme de terror instantâneo, ou de modo mais claro, um filme previsível. No entanto, toda essa previsibilidade se torna irrelevante, esquecível. Nós, quando batemos o olho, instantaneamente conseguimos ter uma visão futura daquilo que irá acontecer, ou daquilo que poderá acontecer, um certo vislumbre dialético de uma receita pré-pronta pelo gênero do terror, e claro, com uma pequena pitada de malícia que portamos em nossa bagagem. De uma coisa nós temos certeza: não conseguimos prever a próxima etapa de um jogo chamado vida, é simplesmente incalculável, uma caixinha de surpresas em que tudo pode acontecer. O cinema também não escapa disso, uma arte que compartilha desse raciocínio, sempre subvertendo aquilo que está no passado e se reinventando a cada milésimo, a cada segundo e a cada minuto de sua existência como arte.

Com certeza, você que está lendo este texto já ouviu essa frase: "a vida é algo em que tudo pode acontecer, aquilo que é esperado e também aquilo que é inesperado". E, por ironia do destino, isso também é alvo no filme dirigido por Ti West. Logo de cara, percebemos que "Pearl" (2022), dirigido pelo cineasta Ti West, é um filme que procura um manejo, uma rejeição destrutiva de doutrinas religiosas e de mandamentos que, para o homem, consigo sentir um certo cheiro iconoclasta com tudo isso, de brincar e articular a religiosidade como algo sexual e até psicótico. Não estou dizendo isso à toa. Conseguimos perceber isso nas cenas em que a protagonista acha um espantalho em cima de um objeto cuja estrutura se assemelha a uma cruz. O espantalho está de braços abertos, novamente fazendo alusões a Jesus Cristo pregado na cruz do Calvário. Pearl, interpretada por Mia Goth, derruba o boneco, dança e faz sexo com o boneco de pano, palha e madeira. É um longa-metragem que brinca com aquilo que é religioso, retirando tudo aquilo que é belo e edificante, para que as desfigurações psíquicas surjam em meio a tudo isso.


Ti West molda o filme com suas próprias mãos, como uma massinha de modelar, destruindo uma imagem e remodelando uma nova. E é essa atmosfera iconoclasta que irá preencher as peças que faltam na psique e na alma de Pearl. Imagens religiosas que estão espalhadas naquela fazenda apenas por enfeite, e não como algo fortalecedor e redentor. Se olharmos para o contexto em que o filme está inserido, a mise-en-scène apenas servirá como uma antítese. Em palavras mais resumidas, uma mise-en-scène que está contrariando a todo momento. Enquanto a filha está discutindo e brigando com a sua própria mãe na mesa de jantar, lá fora está chovendo, ou melhor, o céu está chorando com toda aquela barbárie que está prestes a acontecer naquele ambiente sagrado que é a casa de uma família que tem Cristo como o seu salvador. A diegese está implorando para que tudo aquilo se encerre rapidamente, uma briga entre o bom e o mau. As antíteses estão presentes desde as cores vibrantes até nos cenários que parecem ter sido esculpidos por mãos divinas.


Ti West ficou muito famoso por causa de sua série de filmes de terror. Em "The House of the Devil" (2009), há simplesmente uma homenagem aos filmes de terror lançados nos anos 80, um maneirismo nostálgico que transporta o espectador que viveu aquela época para um clima aconchegante e quentinho, utilizando a nostalgia como um meio imersivo que, em última análise, uma faixa etária irá sentir de modo mais intenso, ou até emocionante. Agora, "X" (2022) e "Pearl" (2022) são dois filmes que têm uma ligação fortíssima, na verdade, são trabalhos interligados. Mas mesmo assim, sinto que "Pearl" (2022) é um longa onde ele mais consegue desenvolver melhor os seus personagens, uma paciência que não tem pressa nenhuma de ir rapidamente para os atos sangrentos da jovem Pearl. É, sim, uma lenta caminhada, em passos lentos e moderados.


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