Crítica - Últimos Dias (Last Days)
Eu sou perdidamente apaixonado por como os próprios filmes do cinema de fluxo eram capazes de sempre trazer novas maneiras de olhar ao redor. É quase um exercício mental: devemos prestar atenção nos espaços e nos pequenos detalhes que tangem aquele ambiente. Diferente do comum, ou do que estamos acostumados a ver no cinema, esses trabalhos eram capazes de trazer uma nova perspectiva, subvertendo a limitação espacial e visual que encontramos no modelo cronológico da narrativa clássica de três atos.
Em particular, são trabalhos que sempre me causaram uma imersão imediata, justamente pelo realismo e pela localização intrusiva e escancarada nos espaços. É como se nós não fôssemos apenas os personagens, mas também os objetos que ali se fazem presentes, desde os móveis mais enormes e pesados de serem carregados até o pequeno lustre de um abajur que pode ser manuseado com uma mão. É um cinema invasivo e, ao mesmo tempo, intimista, um cinema que sempre esteve preocupado com o protagonismo do espectador. Com isso, nos tornamos o todo e fazemos parte na formação do todo.
Falando nisso, no "Elefante" (2003), Gus Van Sant já apresentava esses traços dessa introspecção íntima com os personagens, sublinhando de vários ângulos aqueles acontecimentos, trazendo uma visão mais panorâmica e abrangente do campo fílmico e também fora do campo. Para ser claro, aquilo que está fora do campo se torna mais um componente do fluxo imagético do realismo de filmes com esse estilo. A câmera se torna um mapa geográfico que serve como um meio de localização para que o espectador não se perca na diegese. Há uma certa preocupação com o próprio espectador, para que não nos sintamos como ratos em labirintos. O diretor também não abandona a participação do espectador naquele universo, fazendo questão de lembrar que fazemos e somos parte daquilo.
Falando nisso, no "Elefante" (2003), Gus Van Sant já apresentava esses traços dessa introspecção íntima com os personagens, sublinhando de vários ângulos aqueles acontecimentos, trazendo uma visão mais panorâmica e abrangente do campo fílmico e também fora do campo. Para ser claro, aquilo que está fora do campo se torna mais um componente do fluxo imagético do realismo de filmes com esse estilo. A câmera se torna um mapa geográfico que serve como um meio de localização para que o espectador não se perca na diegese. Há uma certa preocupação com o próprio espectador, para que não nos sintamos como ratos em labirintos. O diretor também não abandona a participação do espectador naquele universo, fazendo questão de lembrar que fazemos e somos parte daquilo.
Na verdade, se tornou bem recorrente ver isso nos filmes dele: tomadas maiores, enfoque maior nos personagens (principalmente no protagonista), construindo um aspecto documental com a justaposição das imagens. Diga-se de passagem, é uma de suas marcas que mais me chama atenção, com certeza, em quesitos autorais. Pois, de uma forma ou de outra, flerta com a ambiguidade narrativa, formando sensações de devaneio sem deixar de lado o documental.
Nesse longa-metragem não é diferente. "Últimos Dias" (Last Days), dirigido por Gus Van Sant, é um drama que segue uma interpretação fictícia dos momentos finais do vocalista da banda Nirvana, que se suicidou aos 27 anos de idade, no ano de 1994. O trabalho dirigido por Gus Van Sant oferece uma inspiração. No filme, assistimos aos últimos dias de Blake, interpretado por Michael Pitt, que encarna o cantor Kurt Cobain em seus últimos dias em sua mansão no noroeste do Pacífico.
A cena inicial é basicamente autoexplicativa se levarmos em conta todo o caminho psicológico que o diretor vai trilhar usando como base a desgraça alheia de uma vida que está nos acréscimos. Nessa cena, mostra o cantor perambulando pela floresta próxima à sua casa, e por meio da imagem o filme transpassa os sentimentos que ecoam na cabeça do protagonista de modo bem interessante. Pois, por mais que a natureza seja sinônimo de beleza e plenitude, aquela mata diz totalmente o contrário do que pensamos a respeito disso.
É como se ele procurasse arranjar forças entrando e saindo de modo avulso dos ambientes. Parece que todos os cômodos e arestas daqueles ambientes se tornam contaminados energeticamente por uma negatividade e paranoia que só ele sente. De fato, só sabe a dor quem passa pela dor. E, sem dizer uma palavra sequer, já sentimos o que está acontecendo com o seu eu atual.
Nesse longa-metragem não é diferente. "Últimos Dias" (Last Days), dirigido por Gus Van Sant, é um drama que segue uma interpretação fictícia dos momentos finais do vocalista da banda Nirvana, que se suicidou aos 27 anos de idade, no ano de 1994. O trabalho dirigido por Gus Van Sant oferece uma inspiração. No filme, assistimos aos últimos dias de Blake, interpretado por Michael Pitt, que encarna o cantor Kurt Cobain em seus últimos dias em sua mansão no noroeste do Pacífico.
Por mais que observemos o cantor perambulando pela mata que se encontra próxima à sua casa e, até mesmo, pelos cômodos de sua residência, ali, ele já estava morto. Eu sei que pode soar paradoxal e, para ser sincero, é muito estranho falar que um corpo com vida está morto. Seus passos não são passos, e sim espasmos de um corpo que se encontra em decomposição física, mental e espiritual. O seu espírito já estava desgastado, a sua mente já estava cansada e o seu corpo cheirava mal há dias, muito antes de cometer suicídio. O cantor estava como uma maçã estragada que encontramos no fundo de nossa geladeira, tanto por fora como por dentro.
A cena inicial é basicamente autoexplicativa se levarmos em conta todo o caminho psicológico que o diretor vai trilhar usando como base a desgraça alheia de uma vida que está nos acréscimos. Nessa cena, mostra o cantor perambulando pela floresta próxima à sua casa, e por meio da imagem o filme transpassa os sentimentos que ecoam na cabeça do protagonista de modo bem interessante. Pois, por mais que a natureza seja sinônimo de beleza e plenitude, aquela mata diz totalmente o contrário do que pensamos a respeito disso.
A mata que ele frequenta é gélida, úmida e deprimente, de certa forma, toda essa sensação térmica e mental se transfere para o cantor. Em vez de ser um remédio que limpe a sua alma, a natureza se torna um malefício que alimenta mais ainda a sua amargura. Eu sinto que ele quer se autoajudar, buscando paz, privacidade e plenitude, distanciando-se socialmente das pessoas ao seu redor. Mas todo o seu gasto energético e calórico de sair de sua casa para procurar serenidade na natureza se torna em vão.
É como se ele procurasse arranjar forças entrando e saindo de modo avulso dos ambientes. Parece que todos os cômodos e arestas daqueles ambientes se tornam contaminados energeticamente por uma negatividade e paranoia que só ele sente. De fato, só sabe a dor quem passa pela dor. E, sem dizer uma palavra sequer, já sentimos o que está acontecendo com o seu eu atual.
Eu diria que "Últimos Dias" (Last Days) é um filme onde o próprio Gus Van Sant consegue equilibrar muito bem seus usos de linguagem característicos e autorais sem cair naquela fórmula audiovisual que se apresenta à primeira vista como bizarra, ou meramente artística para soar hermética e intelectual, mas desprovida de conteúdo. É um tropeço muito fácil de cair quando alguém opta por escolhas abstratas ou que alteram um protocolo obrigatório. Aqui, o filme não esbarra nessa armadilha fácil de cair. O silêncio é uma das formas de linguagem que se torna necessário para expor sensações que não seriam possíveis de serem sentidas através de palavras. Às vezes, o silêncio pode ser muito mais estrondoso e barulhento do ondas sonoras que ecoam; a ausência do som aqui reverbera.
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