Crítica - O Enigma de Outro Mundo (The Thing)
Tenho a impressão de que um dos maiores métodos responsáveis por maximizar essa nova linhagem de filmes de ficção científica foi como esses longas utilizaram assuntos ufológicos, que naquela época eram quase um delírio intelectual. Eles faziam essa junção somando com apelos gráficos que traziam um magnetismo e uma imersão maior naquela ficção. Ou seja, são obras que disfarçavam o seu discurso, que soaria besterol, cobrindo-os com esse pano mais pictórico e plástico.
Reconheço que Metrópolis (1927), dirigido por Fritz Lang, foi um dos primeiros a trazer essa visão distópica sobre questões existentes na sociedade. Mas um dos maiores trabalhos que corroborou para essa experiência transcendental e que quebrou essa barreira de ser um trabalho que ultrapassa o limite imaginário foi 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968), de Stanley Kubrick. É um filme que estabeleceu um novo olhar para os filmes do gênero, tirando toda a superficialidade que era bem característica e que, em primeiro momento, já remetia ao gênero.
Mas o cinema nem sempre parece ter se apegado ao nome desses cineastas. Com o decorrer do tempo, surgiram novos diretores que reconfiguraram a forma de utilizar um gênero específico e mesclaram esse gênero com outros formatos já existentes desde os primórdios do cinema. Quando tocamos nesse assunto, chegamos no nome de John Carpenter. Ele é um dos maiores nomes de cineastas que misturam essa variedade de gênero e, com o passar do tempo, formou uma das principais características de sua fonte cinematográfica. Um de seus filmes mais famosos que melhor ilustra esse simbolismo inédito de John Carpenter é O Enigma de Outro Mundo (The Thing), lançado no ano de 1982. Arrisco dizer que ele é um dos filmes mais influentes quando falamos nessa mistura de um trabalho que, platonicamente, se manifesta como algo bizarro, mas que não leva tão a sério esse espírito de algo que se assume fielmente como camp.
A trama se passa numa estação de pesquisa na Antártida, onde um grupo de americanos se depara com uma descoberta misteriosa de uma nave alienígena enterrada no meio daquela neve. Essa descoberta não gerou boas consequências. Depois de um cachorro ser infectado por essa criatura humanoide, o vírus dessa criatura contamina uma boa parte dos cientistas que fazem parte daquele grupo.
Toda essa construção de mise-en-scène me lembrou muito o que Stanley Kubrick (1928-1999) fez em O Iluminado (1980), um filme onde o suspense é basicamente desenvolvido nesses lugares remotos. Quero dizer que ambos os cineastas compartilham dessa atmosfera gélida e solitária como uma forma de cogitar possíveis ações que seriam bastante prováveis de acontecer naquele lugar desolador. Portanto, levando em consideração toda essa estilização que se utiliza de meios minimalistas, percebemos que o longa dirigido por John Carpenter é um trabalho muito simplista nesse quesito de onde acontecerão tais acontecimentos em tais ambientes. Isso é uma jogada genial da parte dele, pois ele consegue prender os personagens naquele lugar e, da mesma forma, prender o espectador naquela bomba-relógio.
Em O Enigma de Outro Mundo (The Thing), ao mesmo tempo que tudo parecerá complexo (uma complexidade causada pelos efeitos práticos), toda essa construção feita por cima desse essencialismo cênico que reprime os personagens nos espaços é clichê. Ainda mais se repararmos em como esses filmes de terror são construídos para alimentar sua ânsia pela ansiedade e pelo medo. Isso soa quase como uma fórmula: para trazer uma sensação de perigo iminente, prenda os seus personagens dentro de um ambiente fechado e desolador. Em suma, o longa se torna um exemplo muito válido daquilo que é clichê e como essa trivialidade se tornou uma das ferramentas mais atemporais no cinema, especialmente em filmes de terror e suspense. O próprio Ilha do Medo (2010), de Martin Scorsese, é um ótimo trabalho contemporâneo que ilustra muito bem esses recursos do gênero. Não foi nada complexo demarcar uma autoria de gênero, pois ambos os longas citados aqui se equilibram numa linha que, em primeiro momento, pode parecer genérica, mas não é nem um pouco.
Inclusive, Carpenter não vai ficar sentado na arquibancada dessa turminha de maneira alguma. Ele consegue muito bem criar tanto um ambiente de perigo iminente quanto desenvolver uma discórdia entre pessoas que, provavelmente, têm um QI acima da média, ou até um QI muito mais elevado do que o meu e o seu. É uma sacada bem interessante de ser interpretada. Me parece que ele usa os personagens como cobaias para criticar a fragilidade emocional dos cientistas, tanto os da ficção quanto os reais. Isso fica bem escancarado numa das primeiras cenas, onde o MacReady, interpretado por Kurt Russell, está sentado numa cadeira jogando uma partida de xadrez com uma IA. Só essa cena já é o bastante para carimbar as capacidades emocionais e as ocupações mentais dos personagens.
De imediato, o longa deixa uma impressão bem clara de ser um trabalho camp, mas ele não assume tão fielmente esse bizarrismo. O camp, para ser considerado um verdadeiro camp, precisa reconhecer suas próprias astúcias fantasiosas. O penúltimo filme de Yorgos Lanthimos é um longa que não deixa de lado a sua autoconsciência fantástica. Ou seja, para esses trabalhos fazerem parte de um filme camp, eles precisam reconhecer e manter um naturalismo como se aquilo fizesse parte do cotidiano, um cotidiano que vivemos em nossa vida e denominamos como a "vida real". Não consigo ver O Enigma de Outro Mundo (The Thing) com esses olhos; o filme não tem esse tesão de ser bizarro. Ele é bizarro como forma de impacto visual que contorna assuntos e estudos a respeito de vidas extraterrestres que, em última análise, são tratadas e vistas como chacotas.
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