Crítica - Seguinte (Following)
Minha maior implicância é com o modo como ele se utiliza dessas antíteses e inversões linguísticas que não se encaixam propriamente no arquétipo estilístico que o filme constrói. Fica parecendo que toda aquela complexidade narrativa só está ali para resultar numa complexidade interpretativa, um quebra-cabeça cujas peças ficamos horas e horas tentando juntar (na prática, perdidas). Mas nem sempre esse jogo de cintura hermético resulta em algo negativo. Um exemplo recente é Oppenheimer (2023), um longa que se utiliza dessa narrativa fragmentada para causar deslocalização e um embaralhamento dos fatos ocorridos na vida de J. Robert Oppenheimer, e que dialoga de modo extremamente poético com o estado mental em que ele se encontrava naquele momento de julgamento. Isso significa que nem sempre todo esse espírito virtuosista é mal executado. Oppenheimer (2023) tornou-se um bom exemplo de sucesso com esses elementos.
Eu não quero escrever um texto apontando os pontos positivos e negativos do cinema dele. De fato, este texto não é um artigo, nem uma crítica sobre o cinema de Christopher Nolan, mas não dá para ignorar toda a escultura que ele lapidou no mundo da sétima arte, levando em consideração seu primeiro trabalho. Em 1998, Nolan estreava na direção cinematográfica com seu filme Seguinte (Following), o primeiro filme em que ele colocou a mão na massa. É um filme que já pré-estabelece tudo o que se eternizou em sua filmografia: uma narrativa que não segue os fatos em ordem cronológica e personagens frios que narram a história em vez de revelarem os acontecimentos por meio do desenvolvimento narrativo. Quero dizer que, mesmo que o longa se concentre no protagonista, no final das contas, o próprio Nolan acaba optando pela complexidade apenas para destacar uma habilidade com as câmeras.
Um voyeur, um escritor desempregado, em busca de inspiração, começa a seguir estranhos nas ruas de Londres. Numa dessas perseguições, ele acaba conhecendo Cobb (Alex Haw), um ladrão que tem uma estranha filosofia de vida que o motiva a cometer crimes. À medida que o escritor adentra na vida de Cobb, ele acaba sendo enredado por manipulações e mentiras.
Por pouco, arrisquei-me a cogitar, num primeiro momento, que era um filme incel (talvez porque alguns filmes de Martin Scorsese ainda estavam frescos em minha cabeça). Mas, neste filme de Nolan, ele passa raspando de se tornar algo que estabelece os conceitos de um incel. No fim das contas, ele acaba deixando de lado esse imaginário precoce que pensamos logo no início, removendo toda essa provável semelhança e reforçando todo o seu diálogo sensorial com aquele que está do outro lado da tela (o espectador). Assim como o protagonista é um sujeito voyeur, nós, espectadores, também somos voyeur. Em última análise, o cinema sempre foi e sempre será uma arte voyeur. O quadro, criado justamente para visualizar as imagens, cria uma espécie de janela, uma abertura pela qual bisbilhotamos o que acontece do outro lado.
A primeira cena já pressupõe uma abordagem que pende muito mais para o lado documental, inclusive algo que me remeteu ao próprio Oppenheimer (2023), onde, nas primeiras cenas, Nolan já deixa claro para o espectador que toda a premissa irá girar em torno do julgamento do físico norte-americano. É até engraçado pensar que seu primeiro filme alude ao seu último filme. Só que, nesse longa, a voz em off do início já evoca e desloca todo o peso dramático para o escritor. Se pensarmos bem, o cinema de Christopher Nolan nunca evoluiu; suas premissas sempre irão utilizar o difícil como um molde que se replica em cada filme lançado.
Não gosto de pensar da mesma forma que os outros só porque a maioria é do contra. O cinema não pode ser uma arte sensacionalista que generaliza uma boa parte da formação do gosto de uma pessoa. Para mim, e acredito que para muitos, filmes são experiências que devem ser sentidas não de maneira tirânica, mas de modo pessoal. Caso contrário, você se tornará o juiz de si mesmo.
Eu procurei ao máximo não entrar no efeito manada de destroçar um filme do Nolan só porque uma gangue da cinefilia não curte seu cinema, mas não consigo simpatizar com o modo como ele escolhe a complexidade para abordar um filme relativamente simples. Seguinte (Following) é um filme que exemplifica esse tesão que sempre existiu, da parte dele, por aquilo que pode ser feito de modo simples, mas que é contornado pelo seu próprio virtuosismo.
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