Crítica - Tipos de Gentileza (Kinds of Kindness)
Isso se transformou em um hábito muito recorrente de uns anos para cá. Mesmo assim, precisamos ter em mente que cada autor carrega a sua autoria; não devemos esperar que um filme de Christopher Nolan seja igual a um filme dirigido por M. Night Shyamalan, pois são totalmente opostos, diretores que carregam uma identidade visual única. Quando batemos o olho, podemos especular que aquela obra se trata de um filme dirigido por um tal nome. É uma técnica dialética que explica os caminhos de uma percepção treinável que pode ser cada vez mais aguçada, à medida que mergulhamos mais a fundo nos milhares e milhares de filmes existentes por aí. Então, com isso em mente, não podemos ficar esperando por algo que foge totalmente da curva imposta por aquele cineasta, mas sim, podemos criar um visagismo durante a experiência. Agora, existem diretores de cinema que, quando sabemos que lançaram um filme novo, ficamos com uma pulga atrás da orelha. Um dos nomes mais referentes no cinema contemporâneo é o Yorgos Lanthimos, um dos nomes causadores desse pé atrás.
Já entramos em um piloto automático quando ouvimos a notícia de que saiu o mais novo filme do Lanthimos; para os fãs, é motivo de grande alegria. Agora, quem conhece e consegue perceber quando há uma intenção muito mais virada para o fetichismo do que uma reinvenção com intenções de criar uma identidade aurática para a obra, a ideia se torna totalmente diferente. Não consigo sentir essa renovação de modo tão forte no cinema de Lanthimos, ou seja, ao invés de ser uma caixinha de surpresas, seus filmes não passam da fórmula que ele parece ter tesão em renovar cada vez mais. Eu, pelo menos, já sei de cor como ele desenvolve, ou melhor, desconstrói todo um realismo presente em nossa sociedade para construir em cima o realismo de seu discurso. Um exemplo recente que se intensificou foi o Pobres Criaturas, lançado no ano passado, uma obra que deixou de modo mais generalizado essa ambiguidade de desconstruções espaciais que o Lanthimos criou em seus filmes e, diga-se de passagem, é um filme que é muito caprichado (em quesitos estéticos) e muito ousado (no seu discurso feminista pregado utilizando uma inocência psicanalítica).
Só que agora, no ano de 2024, Tipos de Gentileza (Kinds of Kindness) é um trabalho que, quando juntamos todas suas partes, a formação de seu todo parece querer carregar suas filosofias anteriores, mas sua intenção acaba resultando numa bagunça descontrolada. É uma mescla de um realismo que bebe de modo desengonçado o charme estético criado por Yorgos Lanthimos em seus filmes. O filme cai na fórmula do desespero, por causa de um apego ao surrealismo. Com isso, ele acaba mesclando e dando leves pinceladas com um realismo distópico que parece estar ligado a uma tara que o próprio Lanthimos deve sentir.
Se tornou uma responsabilidade tremenda apontar pontos negativos numa obra, pois podemos acabar caindo para o lado do cinéfilo ignorante que não entendeu todos os aspectos temáticos que o filme apresenta, ou até mesmo ser taxado de bolsominion de extrema-direita (algo que aconteceu no ano passado com seu filme anterior). Eu, pelo menos, prefiro ignorar essa ignorância quando o assunto é criticar uma obra; mesmo assim, não consigo enxergar toda a construção estilística de Lanthimos com olhos virados para algo que expressa um sentimento artístico que ultrapasse a barreira do virtuosismo. Foi um fetichismo que passou raspando de se tornar algo arrastado em Pobres Criaturas (2023), só que agora, em seu novo filme, ele acabou confirmando essa dúvida a respeito de todo o universo lúdico que a sua filmografia criou.
Não é um filme que traz um protagonismo para todos os personagens, mas cada um de seus acontecimentos é dividido em capítulos que parecem estar interligados num mesmo espaço diegético. A história narra a jornada de diversos personagens que são submissos a um deus ou subordinados pelas suas próprias vontades e desejos pessoais.
Não consigo engolir o surrealismo criado por Lanthimos. Isso não é uma implicância com o movimento, pois a maioria dos filmes que entraram na lista dos meus favoritos são filmes experimentais. Mas aqui, essa estranheza criada pelo diretor parece muito mais com uma resposta à própria saturação. Tipos de Gentileza (2024) é quase uma resposta aos haters, só que o resultado final é um descontrole emocional, uma insegurança criacional sentida por ele mesmo. Mesmo que essa recriação que imita o mundo real seja a própria plasticidade, ao mesmo tempo essa imitação acaba limitando e distorcendo os espaços para abrir uma sinalização de que o público não esqueça que estão assistindo a um filme completamente estranho e diferentão. É aquela coisa: um filme que fica intercalando entre o real e a fantasia acaba se desequilibrando por querer trazer um autógrafo que já foi escrito várias vezes.
Por mais que seja um filme relativamente comprido, eu mesmo não senti o peso dessa demora (é um tempo que é imperceptível). A trama é rapidamente comprada (pelo menos, por mim, foi instantaneamente comprada) e uma das coisas mais interessantes foi como essa intenção de propor uma divisão entre capítulos traria uma organização. Na verdade, trouxe uma ordem bem bacana para uma compreensão mais fluida dos fatos que estão se desenvolvendo na narrativa, só que, por outro lado, toda essa preocupação em empilhar esses acontecimentos por episódios é totalmente desfeita por um desleixo fetichista do cineasta que deseja recompensar tudo isso. Tipos de Gentileza (2024) é uma balança que uma hora pende para um lado e, outra hora, pende para o outro.
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