Crítica - Armadilha (Trap)

Ao mesmo tempo que o M. Night Shyamalan é um cara que recebe aplausos de pé por um público que curte filmes menos cabeçudos e mais práticos, ele também acaba se tornando um dos maiores motivos de xingamento — só que agora, de uma turminha de cinéfilos que se apresentam como: "adeptos de um cinema cult". Essa divisão a respeito do gosto ficou muito mais diluída com a chegada de A Dama na Água (2006), um filme que é recebido com muito amor e também com muito ódio do outro lado dessa divisória. Uma boa parte de toda essa implicância com o longa é que foi um filme que abriu uma nova perspectiva sobre o cinema de Shyamalan, e, sabemos que em toda mudança drástica existe aquele que vai abraçar, de modo geral, degustar e digerir todas as nuances dessa nova fórmula — como também uma certa parte que não vai conseguir engolir, se engasgando com todo esse novo olhar que agora faz parte de uma construção que o autor acabou criando.

O filme, na época, foi muito mais chutado do que abraçado. Tenho muitos amigos que abominam esse filme. Eu mesmo não consigo entender onde está o senso do ridículo. Com A Dama na Água (2006), percebemos até onde pode chegar a ousadia da apresentação do novo, sem ligar para sua repercussão. É um dos maiores motivos da minha admiração pelo Shyamalan, pois, ao mesmo tempo que ele põe sua cara à tapas, ele quebra toda uma lógica ideal no trabalho textual de certos jornalistas. Tais jornalistas, que estruturam os seus argumentos críticos de modo arbitrário, sem deixar de lado uma espera lógica dos fatos passados nas telas, conseguimos perceber essa alegoria numa cena em que um crítico de cinema está cara a cara com o "Scrunt". Ele, o crítico, cita o que provavelmente irá acontecer com ele, tudo isso numa visão fílmica do próprio. O Shyamalan se torna o "Scrunt". Tudo isso de um lado interpretativo, ele acaba devorando esse descontrole de certos críticos na hora de desenvolver o seu argumento.

É quase pedir para ser apedrejado reconhecer que A Dama na Água (2006) não é fantasia meramente por fantasia. Muitos assuntos mascarados que o filme acaba apresentando tiram toda uma ideia de algo que aparenta ser bobinho. Desde o início, a cena introdutória já começa a contribuir nessa leve construção dos estímulos, que vão aumentando gradativamente com o avanço. Só que agora, em 2024, o Shyamalan procurou se distanciar um pouco mais dessa aura fantástica, que se tornou um de seus apetrechos, para acabar optando por uma ferramenta comum, como: um clima coberto por um suspense psicológico, o mistério que se desdobra lentamente. Em seu mais recente filme, Armadilha (Trap), é totalmente rodeado por uma armadilha para um criminoso, um serial killer. Acontecerá um show numa arena, a justiça está de prontidão para usar o show da cantora Lady Raven (Saleka) como uma desculpa para prender o "Açougueiro".

Achei bem interessante como os espaços que o protagonista se desloca criam uma relação muito mais íntima e emocional com ele. Ele, o Shyamalan, faz do show da Lady Raven uma ambiência clássica do thriller, só que todo esse palco de desfile do clássico acaba se tornando um palco para o protagonista demonstrar suas estratégias. Mesmo que isso remeta a um escapismo alarmante, os planos que enquadram o Cooper estão berrando e dizendo o quanto ele é bonzão e bonzinho. Ao mesmo tempo que ele fica desfilando e realçando sua pilantragem, toda essa maestria é quebrada por um dos pontos fracos do homem, que é a sua família (sua esposa, seus filhos). É aí que está uma quebra bem interessante desses dois sentimentos opostos, uma justaposição que tira toda a ardência psíquica. Com isso, ele estabelece uma relação de estudo psicológico, causando uma relação bem mais aguçada com o futuro das ações. Quer dizer, aquela arena, o show, é uma engrenagem que movimenta essas relações a que deixamos nos levar.

Só que, quando ele sai desse ambiente, todo o vigor inicial, que é construído logo cedo, é cortado bruscamente. Então, todos os estímulos que estão acesos vão ralo abaixo. São situações bem recorrentes nos filmes do cineasta: o mistério que fica cada vez mais intenso, sem deixar de lado todo esse conteúdo de modo didático. Aqui, toda essa cautela não tem um pressuposto clássico dos filmes dele, e isso não é ruim, pois de certa maneira não acaba fugindo de uma veia que remete aos filmes do Shyamalan. Mas, infelizmente, Armadilha (2024) é uma montanha-russa que tem tudo de modo tão dinâmico logo no início, mas toda essa premissa e estímulos que são ativados nos primeiros momentos de filme acabam se enrolando em como o suspense vai percorrer um caminho fora da claustrofobia na arena. Imagino que seria muito mais fácil o Shyamalan dar início a tudo de modo mais neutro, para que tudo acabe se desenrolando de modo que abrace os conceitos impostos pela própria obra. Não consigo ver essa negatividade que o filme está sendo taxado por alguns críticos. Armadilha (2024) não é um trabalho tão ruim assim. A falta de criatividade em desenvolver o suspense em outros parâmetros faz com que o gênero acabe sendo demolido pelo cuidado de um lado e o descuido do meio para o final.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Crítica | Touro Indomável (Raging Bull)

Crítica | Pai e Filha (Late Spring)

Crítica - Cidade dos Sonhos (Mullholland Drive)