Crítica - As Vinhas da Ira (The Grapes of Wrath)


Mesmo que As Vinhas da Ira (The Grapes of Wrath), lançado em 1940, estabeleça sua verossimilhança de modo claro, o discurso que outrora poderia acabar soando como complexo (para os leigos quando o assunto é política) não acaba dificultando essa nitidez apenas como uma forma de expressar resultados edificadores, resultando num quebra-cabeça de peças que são espalhadas pelo tempo, pelo vento.

Tendo em vista a alegoria que o filme demonstra, poderia cair naquela fórmula "cabeçuda" de algo que, embora sua premissa seja atingir as grandes massas, vende apenas um vigor audacioso da parte do próprio Ford. Vale lembrar que boa parte de sua poesia é articulada com muita modéstia, com elementos muito simples: a natureza, a brisa fresca que bate no rosto de alguém que está no meio do campo, os animais, a felicidade que não se escora num acúmulo exacerbado de capital. Ford sabe usar de forma controlada esses espaços simplistas, juntamente com o fato de que sua própria essência está no simples.

Ele consegue equilibrar a dosagem certa de uma poesia que advém de um realismo cotidiano com outro realismo, que é usado como base de referência (no caso, o romance de Steinbeck). Com isso, As Vinhas da Ira (1940) acaba se tornando uma vastidão de elementos e expressões opostas que encaixam como uma luva. Essas forças antagônicas elevam uma didática que acaba resultando numa imersão instantânea, um envolvimento que, mais cedo ou mais tarde, é comprado pelo naturalismo.

Escrito por John Steinbeck, publicado em 1939, o romance se passa durante a Grande Depressão nos Estados Unidos, retratando a triste jornada da família Joad, que, devido à seca, à escassez e às mudanças na economia agrícola, é obrigada a deixar sua fazenda localizada no estado de Oklahoma. A família Joad acaba optando por migrar para a Califórnia, em busca de uma vida mais confortável. No entanto, quando eles chegam lá, acabam se deparando com uma realidade rígida e totalmente oposta ao imaginado: exploração laboral e miséria extrema.

Sinto que Ford procurou por uma adaptação um pouco mais virada para o lado da fé, que dialoga em conjunto com o naturalismo construído. Uma justaposição muito boa se pensarmos em como esses elementos doutrinários irão elevar a carga dramática e crítica. O personagem de John Carradine, que interpreta Casy, é um que se mantém bem presente por um bom tempo dentro desse vento religioso que passa pelo filme.

No meu ver, essas forças conjuntas são muito boas para os degraus dessas leituras que estendem um legado que se permanece se descodificando por anos. Isso abre portas para interpretações que levam a uma ideia de castigo, como se os personagens vivessem numa penitência que está muito longe da prosperidade propriamente buscada por aqueles lugares nos EUA. Tal interpretação se mascara de bonanças religiosas, mas está dizendo o oposto disso. Não é ex-pastor, não se trata de um ex-cristão para trazer uma aura de esperança na vida daquelas pessoas; eles estão no meio daquele ambiente, mas o estão revestidos de total miséria.

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