Crítica - Afraid
É fácil perceber que o querer desse estudo temporal e atemporal se espalhou em outras cabeças. Ou seja, o longa-metragem também quebra as barreiras do holofote humano, a ambição de querer uma exclusividade virada para si. Pois, ao mesmo tempo que pensamos que esse estudo, esse fascínio, passou somente em nossas cabeças, ele já estava pairando em 1968.
Se até nos dias de hoje assistir à obra de Kubrick não é algo tão simples, escrever um texto crítico, fazer uma explicação teórica com base nos elementos que estão no quadro (e que também fogem), torna-se muito mais difícil. Desconheço outro filme que seja tão metafísico, tão sublime quanto esse. Na época em que foi lançado, muitos críticos e cinéfilos ficaram bastante confusos com o enredo abstrato, principalmente o final, que é um enigma até os dias de hoje. Contudo, alguns críticos perceberam o seu valor cinematográfico logo de cara. Por exemplo, a Variety reconheceu esses valores plásticos nos efeitos especiais. Para os amantes de um bom e velho quebra-cabeça, costumo sempre dizer que o longa é um grande exercício mental, fugindo de uma fórmula de filmes confortáveis que assistimos depois de um dia cansativo.
Uma das maiores intrigas que ele trouxe foi essa questão da inteligência fora da consciência humana. Se irmos um pouco mais a fundo nesse abismo, funciona como uma afronta implícita a Deus, nesse desejo de replicar a inteligência e os sentimentos. HAL 9000 foi um chute nesse querer sobre os anos futuros, uma fórmula de preparar o homem para um possível domínio das máquinas, que faz uma mescla entre os defeitos humanos (suas qualidades emocionais e seus deslizes). Justamente com a intenção de criar um íntimo, um vínculo, um espelhamento de características que, a priori, podem se parecer muito curtas, mas que estão muito próximas umas das outras. Não gosto de chamar isso de um defeito propriamente causado e intencional, até porque se torna um dos agentes mais grandiosos na construção de uma ficção científica que mescla com elementos instigantes do thriller — e isso o clássico de Stanley Kubrick faz muito bem.
De certo modo, acabou se tornando um molde que coube perfeitamente a muitos diretores contemporâneos. Um deles é Chris Weitz, com o seu mais novo filme Afraid (2024). O thriller psicológico e tecnológico descostura as incógnitas a respeito da IA. Curtis (interpretado por John Cho) e sua família são os "felizardos" para experimentar um novo sistema inteligente, um dispositivo doméstico chamado AIA. Ela (a IA, AIA) tem habilidades muito maiores do que qualquer sistema de IA convencional. Só que isso não é apenas um mar de rosas. O longa não abre mão de uma abordagem exibicionista (no quesito de homenagear, referenciar trabalhos passados que são precursoras dessa veia curiosa que sempre correu em nossas mentes). O filme não se torna um trabalho que cai nesse sentimentalismo nostálgico. Em outras palavras, ao mesmo tempo que Weitz não esconde esse molde clássico, o cineasta também não abre mão de trazer uma alegoria dessa alienação corriqueira.
Ainda bem que sua frontalidade não está apenas nesse saudosismo. Esse é um dos maiores problemas de filmes que procuram registrar uma autoria autografada no passado. Eu mesmo, pessoalmente, não acho que seja uma boa demonstrar essa paixão a menos que não seja totalmente cega ao objeto original, ao esboço original. Só que nem todos os cineastas parecem seguir essa linha de deslize fácil. Quer dizer, o todo do filme fica mais apelado para um fanatismo maluco do que uma ideia pensada em sã consciência. Afraid (2024) presta a sua autoconsciência no quesito do saber — saber a gravidade e a força que aquela crítica irá se propagar nesse avanço tecnológico que está crescendo. No fim, tudo parece alusivo a Kubrick, mas quando olhamos a soma de Afraid (2024), sua alegoria é carregada com muito mais peso. É bem mais grave do que no mundo real. Ou, na verdade, essa gravidade existe, só está escondida por uma parede construída pelo sistema. Você consegue enxergar essa parede?
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