Crítica - Amores Materialistas (Materialists)
Em seu primeiro filme, Vidas Passadas (Past Lives), lançado no ano retrasado, Celine Song consegue cadenciar um tempo elástico que, ao se chocar com a vida terrena, transforma-se em uma força metafísica que empurra seus personagens para uma determinada fatia do tempo. Eles — os personagens — estão subordinados a esse tempo; não existe protagonismo nem antagonismo. O ritmo interno se instala naqueles espaços como uma força que atravessa a materialidade da carne. No fundo, trata-se de um compasso mais interessado no espiritual do que no narrativo.
Esse é um dos tropeços mais recorrentes no minimalismo, quando o tempo carrega consigo a mais pura escassez sensorial. Ou, de modo mais preciso, são filmes que vestem uma roupagem labiríntica, mas acabam se tornando pobres quando a colisão desses recursos recusa ecoar o próprio vazio que instauram. Song, no entanto, consegue economizar na estética de modo que essa contenção não resulte numa redução subjetiva. Em última instância, ela amarra as pontas entre a densidade e a fluidez.
Cá estamos em 2025, e os métodos autorais de Song parecem intactos. Contudo, em seu mais novo filme, Amores Materialistas (Materialists), há uma concentração maior em como os gêneros são desenvolvidos em diálogo com sua autoria cinematográfica. O longa-metragem narra a história de uma casamenteira chamada Lucy, interpretada por Dakota Johnson, que vive em prol da vida conjugal de outras pessoas, enquanto está sua está desmantelada, confusa.
A cena inicial, em específico, oferece — não um simples recorte — mas uma fatia considerável da construção ideológica de Amores Materialistas (2025). Essa abertura ocorre para que o olhar espectatorial se mantenha vidrado, engajado por uma espécie de trégua óptica (um momento de alívio, uma suspensão sensorial na experiência fílmica). Esse afastamento da forma tradicional acaba por trazer uma camada adicional de didática. Mas essa entrega não é escancarada; quando os elementos banais entram em atrito com os dispositivos próprios do gênero — aqui, a comédia — surge uma veia satírica.
Pontualmente, o filme se torna desconexo, desplugando o espectador daquela realidade específica para que a ficção reflita o verossímil, o concreto. Há uma quebra — no que diz respeito à imagem em movimento — e essa pausa constrói um paralelo que rompe com o ilusionismo cênico, permitindo que o irônico se sobreponha ao narrativo.
O filme, enfim, revela suas afrontas. Sem recorrer à quebra da quarta parede de forma insistente, o longa consegue sustentar sua camada alegórica — claro, por meio de diálogos que carregam o cômico no sangue, mas também graças às atuações, que amplificam esse humor.
Os personagens estão contidos dentro de uma bolha imagética que, ao ser rasgada, transborda uma realidade que se impõe como mais potente do que a nossa. O aparato cinematográfico entrelaça esses corpos por meio de carícias e sexo e, por mais improvável que pareça, também de ironia.
O que se evidencia é que o próprio dispositivo enunciador — ou seja, o olhar técnico-estético que organiza o quadro — deseja criticar, por meio da comédia, aquilo que representa. A distância é barrada pela máquina de registro. O ficcional, no novo filme de Celine Song, é muito mais contemporâneo do que figurativo.
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