Crítica - Caminhos Perigosos (Mean Streats)

O próprio Martin Scorsese reconheceu seus escorregões formais. Em entrevistas posteriores, ele tentou descer um pouco mais abaixo da superfície, criticar a exploração da classe trabalhadora e a violência sistêmica em Boxcar Bertha (1972), mas, por causa de um entusiasmo marcado por uma busca autoral, culminou num trabalho que soa mais ansioso do que algo que crê no subjetivo.

E foi durante o processo desse longa-metragem que seu mentor, John Cassavetes, deu um conselho que abriu os olhos do baixinho: "Você gastou um ano inteiro de sua vida fazendo um pedaço de merda. Agora vá fazer um filme pessoal."

Agora, em Caminhos Perigosos (Mean Streets), consigo perceber um Scorsese mais pé no chão e confiante em imprimir suas vivências como ítalo-americano no bairro de Little Italy, sem receio de arquivar seus discursos estéticos e políticos. Tal acerto pode ser interpretado como um temor de tomar outro "tapa na cara" de Cassavetes, de fazer feio e fazer desfeita de um expoente maior.

A partir de Caminhos Perigosos (1973), notamos um cineasta que regurgita o alimento do passado — mastigado e não digerido — nessa passagem de experimentos. Esse filme vem para apagar a nudez imagética da qual ele era refém. Quer dizer, suas dúvidas envolvendo o catolicismo não se tornam um quadro em branco, ou melhor, um pano de fundo. Os esboços estéticos e a condensação de seus personagens, situados em meio aos desgastes sociais, nascem daqui.

Seguimos um jovem rapaz chamado Charlie Cappa, interpretado por Harvey Keitel, um católico que releva um extremismo religioso como pretexto para justificar seus pecados.

Algumas cenas isoladas vão fazer o trabalho de recolher o diegético e o não-diegético; elas irão sintetizar e fazer um paralelo com o autor e com suas criações. A cena em que Cappa entra num restaurante, lava suas mãos enquanto escuta a conversa de gângsteres italianos — onde o assunto é um assassinato — ali, Keitel é o Scorsese. Ou seja, é uma cena que se torna muito reveladora, pois nela percebemos o papel de questionar e não de sujar as mãos ao tocar em tais assuntos. É nela onde também está a confiança de Scorsese em não se acovardar ao esconder as semelhanças do criador e de sua criatura.

E, de grosso modo, o longa-metragem acaba ganhando um rigor protestante ao recusar um purismo religioso, tangido pelos dogmas católicos. Em oposição a isso, se for encaminhado por esse purismo, Scorsese é um incrédulo (alguém que não aceita plenamente certos preceitos de sua fé, por causa de dúvidas). E eu me debruço por cima dessa vertente: em nenhum momento o cineasta cospe no prato em que come.

A voz-off de início se torna a síntese de suas ideias envolvendo sua própria religião e, também, o seu temor de ser apelidado de crítico da fé ou, até mesmo, de herege pelos radicais.

O lugar de penitência, onde se pagam os pecados, é falado por Keitel na voz-off que abre o filme. Só que Scorsese não faz desses espaços espirituais um meio de hiperestilização. Em outras palavras, esses locais não são compostos por poses imagéticas (e, claro, não seria um problema se o longa se comportasse e fizesse jus a seus excessos), mas ele foge do hermético.

O inferno, aqui, não mora debaixo de nossos pés. Esses espaços onde o pecado habita estão num local de fácil acesso para aqueles personagens: o bar. Esse estabelecimento é banhado por uma saturação cromática. O bar bane a vida — se forem levados em conta esses preceitos, ali é o inferno.

O fervor, em boa parte, está ali. Esse longa-metragem dirigido por Martin Scorsese não entrega nudez visual, mas ainda consigo ver uma dependência, da parte de Scorsese, numa reverberação sensorial que seus desfechos precisam carregar. Em última análise, ele não parece acreditar fielmente na força isolada que seus apelos carregam. Ele sempre acaba ficando refém de outros meios com justaposição.

O longa acaba pecando por causa de uma necessidade que peca por causa de seu ritmo. Em Caminhos Perigosos (1973), essa filosofia de recompensar personagens que são pressionados por alguma coisa, acrescentando mais violência, o que sobra é apenas um virtuosismo oco. Mas essa imagem autocentrada foi muito bem resolvida três anos depois.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Crítica - Armadilha (Trap)

Crítica - Bailarina - Do Universo de John Wick (Ballerina)

Crítica - Apartamento 7A (Apartment 7A)