Crítica - O Açougueiro (Le Boucher)

Corresponde muito bem a uma coesão formal no que diz respeito a como o Claude Chabrol vai fazer uma espécie de copiar e colar — é claro que isso não será de modo rígido, em certos aspectos — em seus demais trabalhos como diretor de cinema. Basicamente, os que passaram pelas mãos de Chabrol foram uma recusa por aquilo que se apresenta como belo e puro, e O Açougueiro (Le Boucher), lançado em 1970, decreta um manejo muito característico nas obras de Chabrol: um niilismo estético.

Servindo como uma espécie de engenheiro mecânico que fabrica esboços futuros com as mesmas características — óbvio, cada um com sua particularidade enquanto algo próprio, mas que, em seu conteúdo, é recheado por elementos que trazem muita similaridade —, basta observar como seus filmes futuros irão se utilizar dessa mesma visão. Filmes como Juste Avant La Nuit (1971), Les Noces Rouges (1973), Violette Nozière (1978), Une Affaire de Femmes (1988) e La Cérémonie (1995). Então, O Açougueiro pode ser considerado o melhor caminho para perceber esse lado iconoclasta estético que fez parte de projetos futuros.

Vinda de uma herança cultural da literatura e do teatro, percebemos que o cinema francês teve premissas que se esbarravam no melodrama, nos conflitos gerados, no amor. Em boa parte, esse amor não é sinônimo de um purismo fervente, um extrato do sentimento de plenitude que gira em torno do ato de amar, e sim na soma, no resultado que essa compulsão por amar alguém pode provocar. Toda essa melosidade é retirada no intuito de mostrar as chagas desse amor perfeito, sem manchas, sem dor, sem culpa e sem sangue. Aqui, o amor em sua forma recíproca e companheira não existe, ou melhor, existe uma recusa do amor como sentimento clássico que dá luz ao cinema de gênero.

Por outro lado, é interessante como o Chabrol utilizará espaços reais de uma comunidade local como um artifício que mescla uma vizinhança unida, com crianças ensaiando uma dança com a personagem da saudosa Stéphane Audran (1932-2018), ensinando os passos de dança que devem ser feitos. Isso acaba sendo uma ilusão para que haja um contexto que equilibre o oposto e, mesmo assim, não existe nenhum apelo gráfico no que diz respeito ao bruto, uma violência mais contida e não tão exposta. O indisponível ao olhar alimenta uma força dramática de saber que existem novas vítimas de um assassino em série que estão localizadas no extracampo.

A obra sabe lidar com suas estranhezas não por pura vaidade, mas com uma finalidade poética que se torna válida quando a soma de suas escolhas audiovisuais regurgita o uso de alguns elementos banais. É fácil perceber que, do começo ao fim, existe o inusitado, uma frieza que reverbera pela imagem, e muito disso vem das atuações que beiram ao teatral quando são levadas ao seu estresse máximo que, ao invés de estourar, se mantêm quietas e imóveis. Parece que, mesmo com uma vida verdejante impressa na imagem, todos estão mortos. Os personagens, em alguns momentos, parecem espíritos que vão vagando pelos espaços em busca de uma solução causada por uma arma mortal chamada amor.

É impossível assistir ao filme sem citar como a montagem sonora se torna uma grande amiga que coloca em banho-maria a frieza dos planos, deixando-os mais mornos e equilibrando um purismo estético que, por si só, já é muito latente. Não é revelada a gravidade do problema pelos planos; o sentimento que envolve a personagem da Audran e do Jean Yanne (1933-2003) soterra as vidas tiradas pelo assassino “misterioso”. Então, o som é o detetive que descobre os planos.

O Açougueiro é um belo exemplo do poder da imagem-afecção. Aqui, a rostidade dos rostos modela uma pluralidade interpretativa. O close-up pode ser arrebatador quando existe uma necessidade de mergulho nos sentimentos implícitos de um personagem. Ou seja, um plano aberto pegando de relance a face de um ator não terá a mesma relação que planos mais apertados que interditam o olhar desse rosto para qualquer direção. Então, seus olhos estão a passos curtos do espectador que está tentando decifrar o que aquele rosto diz. O rosto passa a ter uma significância jamais remetida por qualquer escolha de enquadramento, já que, em planos abertos, os atores são abordados de maneira mais realista e cotidiana; quando a câmera fecha em seus rostos, agora, o realismo é deixado de lado para que o dispositivo cinematográfico os engula.

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