Crítica - Mickey 17
Em seu mais recente trabalho, Mickey 17 (2025) se adapta como uma síntese formal no que diz respeito a suas escolhas de unidade estilística. Eu acho uma sacada inteligente da parte de Joon Ho em não apenas espetacularizar as cenas com certas dimensões formais, mas higienizar o que possivelmente penderia para o pejorativo. Por meio dessa jogada, ele consegue lavar suas próprias mãos ao tocar nesses assuntos com dimensões estilísticas que não só realçam o lúdico, mas também pontuam o quão lunático é aquele contexto onde a crítica se insere.
Em um futuro não tão distante, afogado em dívidas devido a um negócio fracassado e pressionado por agiotas, Mickey Barnes, interpretado por Robert Pattinson, aceita ser "descartável" — ter seu corpo clonado para morrer em missões extremamente perigosas em prol de colonizar o planeta gelado Niflheim, liderado por Kenneth Marshall (Mark Ruffalo).
Mickey 17 acaba se tornando um exemplar pelo domínio tátil de um autor com seus personagens, principalmente com o personagem de Robert Pattinson que, nesse caso, o cineasta ressignifica por meio de seu cinema as alterações que a figura de Pattinson sofreu ao longo do tempo. Isso vem muito dele próprio: o ator recusou ficar estagnado, buscando autores autorais e papéis herméticos. Ele mergulhou de cabeça em projetos independentes, onde podia ousar sem nenhuma pressão de bilheteria. Com isso, percebemos que Pattinson recusou vestir uma aura de "beta" — uma vestimenta que, ironicamente, ele usou em ser um "descartável".
Joon Ho agarra essa transição como gancho para que, por meio do lúdico, nasça a homenagem ao ator. Por mais desconexo que isso possa parecer, é nessa homenagem que também nasce todo o mote que o filme levanta. A obsessão do personagem de Mark Ruffalo (observado por uma visão religiosa, correspondente ao paganismo) se forma em Joon Ho, não em Marshall. Ou seja, o gênio forte e marcante do personagem, de certo modo, não é segurado pelas mãos do autor; na ficção, é ele (Marshall) que detém toda a responsabilidade em suas mãos.
Assim sendo, o autor consegue equilibrar entre o encargo ficcional e um controle externo, no qual seus personagens acabam ficando à mercê de suas mãos, algo que o torna quase como um deus que tem sua criatura como marionete, bailando pelos espaços. É claro que isso pode ser olhado com maus olhos, como uma insegurança em tocar nesses apontamentos. Eu, particularmente, fico um pouco receoso a respeito disso. Ainda que ele se acovarde um pouco, consegue recompensar e preencher essas lacunas com um controle palpável.
Esse uso frágil e evocativo de uma mise-en-scène de atrações (como um pano de fundo para que o ácido se una com o absurdo) me remeteu a Pobres Criaturas (2023), dirigido por Yorgos Lanthimos — claro, com uma comédia não tão declarada, se comparada à obra de Lanthimos. Mesmo assim, de modo geral, a fusão desses elementos distantes consegue se adaptar quando colocamos em cheque a maneira como tais texturas são trabalhadas na busca de respostas que tangem um determinado assunto.
A força sugestiva de Mickey 17 acaba decaindo por causa de incógnitas que procuram responder o desconhecido, mas se tornam repetitivas, trazendo um ar de esquecimento que afronta o nível de intelecto do espectador. Tais questões nos prometem uma importância necessária desde o prólogo. Quer dizer, o peso central do longa mora no desconhecido, mas o filme só ameaça, ameaça e ameaça. O problema não está na ausência de respostas — até porque a arte consegue viver do ambíguo, o que poderia tornar o desfecho enigmático —, mas sim na insistência, que soa mais como provocação gratuita do que como interrogação propriamente dita.
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