Crítica - Superman
O mais novo filme de James Gunn busca dar movimento ao herói clássico, apagando uma escuridão cênica na qual o personagem estava sendo vítima. Superman (2025), de James Gunn, reacende a ideia de como a arte pode trazer um diálogo frontal na construção do indivíduo. Os atos heroicos do personagem não são egoístas, retidos para si mesmo; o desejo dele é que isso seja transbordado e que o homem, em sua pequenez, sinta aquele poder correndo em suas veias.
Diferente dos demais, Superman recusa uma entrada triunfante. No começo do filme, o herói sofre sua primeira derrota diante de um vilão misterioso conhecido como "Martelo de Boravia" (subvertendo uma ideia leiga de alguém que nunca sequer leu uma página de suas HQs). E, ao invés de repassar a história de origem clássica da chegada de Clark Kent ao planeta Terra, acompanhamos os primeiros anos de Kent, vivido por David Corenswet, que tenta conciliar uma vida profissional ao mesmo tempo em que assume seu papel como Superman.
Consigo perceber uma ligação direta que enxerga no desligamento do real atual um catalisador entre duas realidades distintas. O fã acaba se chocando com seu ídolo por causa de questões que não só envolvem o contexto ficcional. Superman é um filme onde não existe um retrocesso do nostálgico para que seus encontros se façam presentes.
E é claro que o maneirismo é abraçado para que isso seja possibilitado, mas para que esses encontros sejam formados por meio de questões que não apenas envolvam a diegese. Acho bacana como Gunn não vê isso com desdém, e sim como oportunidade. Quer dizer, a descarga de dopamina cria uma plasticidade que, ao invés de distanciar o personagem de seu fã, o aproxima por meio de questões que não se restringem àquele contexto.
Muitos podem enxergar isso como uma fragilidade em nossa contemporaneidade (de algum modo, essa ideia faz sentido), mas o cineasta não vê por esse lado — tornando muito possibilitador tendo em vista um sujeito que também é atordoado pelo mundo frenético e gamificado. Óbvio que não vai dialogar tão bem assim com o fã que preserva uma exatidão rígida demais, mas, de modo geral, esse público também se encontra aliado aos prazeres de vitrine.
É nessa dopamina barata que Gunn enxerga uma fissura lacaniana que serve como um portal que acessa o nostálgico. Tenho a absoluta certeza de que ele tem ciência de um espectador movido pelo movimento e não apenas por um movimento narrativo, mas por um movimento extra-narrativo. O impulsivo em Superman está ligado a uma evolução; o dinamismo abordado nesse filme acentua a ideia de que um mesmo semideus também pode ser ferido pelo tempo, servindo como um vigor que brinda o novo.
A relação de Clark Kent com Lois Lane, interpretada por Rachel Brosnahan, faz parte dessa celebração. Significa que, em Superman, temos um filme que comemora desde a evolução tecnológica — com um maneirismo que procura resgatar o fascínio pelo herói colorido — até um arco de relacionamento amoroso que, anteriormente, rejeitava um humanismo em seus trabalhos. E isso funciona muito bem para enfatizar esse lado mais afetuoso do personagem, ao mesmo tempo que traz consigo uma nova vertente dramática que certamente será ressignificada.
É chato pensar que é nessa exorbitância que o filme acaba se degringolando. Algo que jamais pode acontecer numa obra vista por uma sensibilidade camp, é por essa descrença que a obra abraça a opacidade ao invés da transparência. Esses deslizes ficam muito óbvios em cenas isoladas, mas acabam comprometendo aquilo que a obra vende como real. O virtuosismo é ratificado nas cenas de batalha — na cena em que o soco de Superman joga os dentes de um de seus vilões no aparato, desmancha-se todo um senso de realismo que o maneirismo, desde sempre, deseja anunciar.
O exagero é uma das primícias de Superman, mas é nesse rigor que está a deterioração do todo. Temos que ter em mente que cada diretor de cinema tem liberdade poética em lidar com certos assuntos e em como esses assuntos irão se aliar à sua unidade estilística. Nesse caso, Gunn não consegue alinhar tão bem suas virtudes; ao invés de caminhar conforme toda sua liberdade estética dada a seu cinema maneirista, ela o condena. A intenção de trazer o herói um pouco mais humano é incerta, pois, ao mesmo tempo em que existe uma busca em agrupar o fã e seu herói — herói este que é crente na redenção do homem —, a própria descrença do autor que desloca esse personagem ecoa muito mais.
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