Crítica - Beleza Americana (American Beauty)

Sam Mendes pode ser lido como uma tensa e constante investigação de tensões entre o íntimo e o espetáculo, entre a dramaturgia clássica e a invenção formal herdada do teatro e das tradições britânicas de direção cênica.

O diretor vem do teatro (Royal Shakespeare Company e Donmar Warehouse). Isso já responde por uma boa precisão cenográfica de suas obras: as iluminações, a saturação cromática das cores e a direção dos atores obedecem a uma lógica quase teatral. Em seu primeiro longa-metragem, Beleza Americana (1999), a sua simetria e a contenção transformam as atuações em um gesto sutil que revela o absurdo por trás do horror do ordinário.

Muito associado à repulsa, ou até mesmo ao terror puro, o horror do ordinário se materializa na repetição — uma repetição que oprime, espreme seus personagens ao ponto de serem implodidos dentro dessa bolha banal.

Beleza Americana narra a morte de Kevin Spacey, vivido por Lester Burnham, um pai de família que passa por fraturas em seu lar justamente por ser um "bunda mole".

Acho muito massa como Mendes faz da fixação do real, da imagem estática, um arquivo que se transforma em nervo dramático. Percebo que muitas pessoas enxergam uma certa homenagem ao cinema no personagem de Wes Bentley, só que a fotografia acaba funcionando bem mais nessa memória que visa transcender, que faz do estático algo que culmina no movimento, com memória e sentimento. Em última análise, o cinema por si só, em Beleza Americana, só ganha "movimento" pela fotografia.

Por outro lado, existe uma outra linha materialista que também pode ser seguida por essa vertente. Se for partida por uma direção de posse, essa imagem se transforma em um mero objeto que é palpável, mas não se encarna na memória. E é por isso que, no caso do filme de Mendes, essa crença na memória se torna bem mais incisiva.

Um teólogo americano chamado John B. Calhoun (1917-1995) realizou um experimento em 1968. Calhoun criou uma colônia de ratos em um ambiente fechado; tudo isso foi planejado para ser um "paraíso": com comida e água ilimitadas, ausência de predadores, espaço protegido e temperatura muito bem controlada.

No início, os ratos cresceram rápido, mas com a superlotação surgiram comportamentos anômalos. Alguns ratos passaram a viver apenas para comer e se limpar, sem se reproduzir.

Com o passar do tempo, a colônia entrou em colapso e foi extinta, mesmo com a fartura.

Tal experimento virou metáfora para discutir a superpopulação, a decadência social e a alienação. Embora não possa ser aplicado diretamente em seres humanos, o Universo 25 até hoje é um dos estudos que visam estimar para onde a sociedade caminha.

A esposa de Burnham consegue expressar esse rigor ao mesmo tempo que desdobra uma ação futura. Isso não diminui os personagens, pois está alicerçado no drama.

Mendes usa de opostos ideológicos como um pretexto que, no mais tardar, revela a verdadeira solução — ou a solução mais breve. A família de Lester soa libertária comparada com a família de Ricky. Mas não existe nenhuma militância no que diz respeito a esses discursos antagônicos. É uma sacada bem esperta em não panfletar, em não propor uma batalha, pois o uso dessas antíteses carrega um vigor próprio.

Isso pode ser visto de modo niilista e soar como um deboche, da parte do diretor, em não estampar um purismo, pois a escolha de tais pontos de vista tem como interesse uma ótica espirituosa e filosófica.

Percebo que muitas pessoas enxergam que a estética de Beleza Americana espetaculariza uma premissa que deve ser cautelosa. Sinceramente, não vejo isso como um verniz, pois os personagens caminham para o trágico. Basicamente, suas ações estão dispostas a esse rigor ontológico: é nas ações tomadas pelos personagens que encontramos o encaixe para que todo esse virtuosismo não vire eco.

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