Crítica - Nosferatu (2024)


A reimaginação do clássico mudo alemão acende boas questões a respeito do cenário atual — sobretudo como o mainstreaming industrial tende a se escorar naquilo que Friedrich Nietzsche (1844–1900) chamaria de força ativa e reativa.

É uma leva que se dá pela economia da repetição que, no cinema, pode ser lida de modo nietzschiano: é nela que se vê claramente a tensão entre a força ativa e passiva. A indústria repete para conservar: franquias, reboots, multiversos e remakes para que haja uma espécie de ressentimento formal. Em vez de criar o novo, o que já foi testado retorna, excluindo um provável risco. Aqui, essa repetição mecânica funciona como um mecanismo de defesa: reproduz para neutralizar. Pois o novo pode assustar — fracassar comercialmente então é fundido em moldes já existentes. Tal gesto é reativo.

Já o apaziguamento do espectador funciona como uma "espuma narrativa": o espectador não é convidado a enfrentar as estranhezas, mas a se encontrar em confortos já vistos. O gesto leva o espectador a uma experiência que se agrupa numa experiência passada de um filme-base.

Agora, quando entramos em Michel Foucault (1926–1984), percebemos que o dispositivo, na lógica passiva, se faz presente para domesticar esse espectador. O dispositivo de controle se repete em fórmulas narrativas e estéticas (sequências, franquias) que condicionam esse espectador a um consumo passivo.

Ao destrinchar a ideia de “crise da imaginação radical e estilização da impotência” de modo filosófico e crítico, trata-se nada mais nada menos do que a capacidade de conceber uma ótica que nunca passou pela nossa retina. Só que, agora, cabe ao crítico perceber quando um filme intensifica tal bloqueio e quando ele consegue usar o vazio como criação ativa.

De modo geral, estudar o modo como Nietzsche enxergava as coisas ao seu redor retirou uma insegurança minha de mapear, de distinguir um filme tocado por essas ideias.

Se em Nosferatu (1922), de F. W. Murnau, a distorção cênica e gestual criava uma tradução imagética de uma subjetividade em crise, o remake de Eggers parece manter uma reverência em não reativar uma zona sensível.

O remake dirigido por Roger Eggers repagina a mise-en-scène radicalizada de Murnau. Acompanhamos Thomas Hutter (Nicholas Hoult) e sua esposa Ellen (Lily-Rose Depp), que vivem em Wisborg. Thomas recebe uma missão: viajar às montanhas da Transilvânia para tratar de uma propriedade com um vampiro.

A obra de Eggers se consolidou em um pequeno espaço de tempo como uma das mais autorais do cinema contemporâneo. Ele se alia a uma constante investigação de mitologias, forças arcaicas que acabam se chocando com o moderno. O cineasta acaba sendo um ótimo exemplo de diretor que usa de uma textura rigorosa a favor de uma arquitetura emocional.

The Witch (2015) foi o primeiro longa a se escorar numa Inglaterra puritana. E já percebemos um capricho em recriar com exatidão esse período histórico.

Dentro da trajetória do diretor, em The Lighthouse, lançado quatro anos depois, esteticamente, é o filme que mais dialoga com Nosferatu. E também, comparado ao seu primeiro trabalho, The Lighthouse é muito mais áspero visualmente. Aqui, ele radicaliza a imagem no intuito de remeter ao cinema mudo e ao expressionismo.

Ainda que Nosferatu (de Eggers) se mantenha menos alusivo aos recursos clássicos do expressionismo alemão, ele ainda traz consigo essas situações alegóricas que tocam nessa fissura do pós-guerra. Ou seja, a obra se mantém mais cuidadosa em não fazer dessas questões um gesto performático.

Só que, quando ambas são justapostas, o filme de Eggers parece dar cor, ou até "mais vida", a esses dispositivos. Ao mesmo tempo em que consegue enfatizar o quão problemático é o homem, dono do lar, um líder omisso, também consegue problematizar um mundo espiritualmente inerte, incapaz de recorrer a transcendências eficazes. Um mundo onde o mal entra pela porta porque o que realmente seria eficaz é apenas um item de decoração.

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