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Crítica - Novocaine - À Prova de Dor (Novocaine)

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Nathan Caine (Jack Quaid) é portador de uma condição rara chamada CIPA (Insensibilidade Congênita à Dor com Anidrose), que o impede de sentir dor. Após sua "namorada", ele se vê destemido por não sentir dor. Quer dizer, ao invés de martirizar sua doença, ele age. Parece que, após Villains (2019), Dan Berk e Robert Olsen puderam ter uma regência maior com o humor físico e subversivo. Berk e Olsen já vinham flertando com o grotesco e com esse humor um pouco mais "palpável" em The Stakelander (2016), mas foi três anos depois que a dupla de cineastas conseguiu achar uma fórmula de misturar o horror de situações com o cômico dos corpos em cena, sendo assim um trabalho que serviu de vitrine e exibiu, para um circuito indie, que eles eram capazes de explorar o tenso por meio do cartunesco. Novocaine - À Prova de Dor discursa de modo bem interessante com o cinema e os corpos que compõem aqueles espaços — espaços esses que, em pr...

Crítica - Mickey 17

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A combinação de tonalidades antagônicas no cinema de Bong Joon Ho  se apoia no puro para adentrar camadas sociais vividas por cada indivíduo. A comédia e a sua acidez com o drama, em Joon Ho , funcionam muito bem em suas particularidades como elementos isolados, mas também conseguem acessar o sóbrio quando tais recursos se mesclam. É como se a sarcástica do humor corroesse uma ingenuidade tangida pelo próprio gênero, deixando o elemento em sua pureza um pouco mais de lado. Em última análise, o riso e a ironia são as engrenagens que nos fazem cair na real. Em seu mais recente trabalho, Mickey 17 (2025) se adapta como uma síntese formal no que diz respeito a suas escolhas de unidade estilística. Eu acho uma sacada inteligente da parte de Joon Ho em não apenas espetacularizar as cenas com certas dimensões formais, mas higienizar o que possivelmente penderia para o pejorativo. Por meio dessa jogada, ele consegue lavar suas próprias mãos ao tocar nesses assun...

Crítica - Superman

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O mais novo filme de James Gunn busca dar movimento ao herói clássico, apagando uma escuridão cênica na qual o personagem estava sendo vítima. Superman (2025), de James Gunn , reacende a ideia de como a arte pode trazer um diálogo frontal na construção do indivíduo. Os atos heroicos do personagem não são egoístas, retidos para si mesmo; o desejo dele é que isso seja transbordado e que o homem, em sua pequenez, sinta aquele poder correndo em suas veias. Diferente dos demais, Superman recusa uma entrada triunfante. No começo do filme, o herói sofre sua primeira derrota diante de um vilão misterioso conhecido como "Martelo de Boravia" (subvertendo uma ideia leiga de alguém que nunca sequer leu uma página de suas HQs). E, ao invés de repassar a história de origem clássica da chegada de Clark Kent ao planeta Terra, acompanhamos os primeiros anos de Kent , vivido por David Corenswet , que tenta conciliar uma vida profissional ao mesmo tempo em que assume seu pa...

Crítica - A Cor do Dinheiro (The Collor of Money)

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Ainda que o Eddie — Paul Newman (1925 - 2008)  — vista uma aura costurada pelo próprio Martin Scorsese, A Cor do Dinheiro (1986) se torna mais um grande exemplo do domínio total de Scorsese com sua mise-en-scène, agora reestilizada. Algo que não era tão evidente assim na sua fase experimental e ético-existencial, marcada pela melancolia interna, problemas envolvendo questões religiosas e seus dogmas, uma montagem ansiosa que reflete um desejo latente de pertencer a algo maior. Mas, mesmo assim, ainda consigo sentir algumas nuances marcadas por uma fase de experimentos — especificamente em ser o mais central possível em seus personagens —, mas agora tudo bem mais estável, deixando de lado uma decupagem tensa (que vinha desse anseio ao encaixe social e religioso). Só que, agora, as reações causadas pelas ações estão ligadas ao filosófico. Quer dizer, se antes seus personagens estavam em uma constante busca pela aprovação, aqui, eles abraçam o seu...

Crítica - Depois de Horas (After Hours)

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Eu acho que, se levarmos por uma dialética que conserve a cronologia de sua filmografia, Depois de Horas , lançado no ano de 1985, é um filme onde o próprio Martin Scorsese percebe a fraqueza de que, para o leigo, a força isolada de seus elementos não atinge o seu ápice sensorial imaginado. A sensação que fica é que Scorsese não dirige um filme para seus amantes, ou até mesmo para aqueles que observam de relance seus manejos, e sim para atingir um sujeito que está começando a se relacionar com o cinema de modo não passivo. É por esse motivo que vejo Depois de Horas (1985) como o trabalho mais maduro do baixinho. Ele não se debruça apenas na figura masculina como linha que ajuda a costurar o todo; nesse longa, ele entende — ou apenas se conforma — com o outro lado, que também serve como apoio para que essa figura central fique sempre em evidência. O arquétipo autoral feminino — a mulher loira — não apenas tange a mise-en-scène, mas encarna a força do desejo e ...

Crítica - Caminhos Perigosos (Mean Streats)

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O próprio Martin Scorsese reconheceu seus escorregões formais. Em entrevistas posteriores, ele tentou descer um pouco mais abaixo da superfície, criticar a exploração da classe trabalhadora e a violência sistêmica em Boxcar Bertha (1972) , mas, por causa de um entusiasmo marcado por uma busca autoral, culminou num trabalho que soa mais ansioso do que algo que crê no subjetivo. E foi durante o processo desse longa-metragem que seu mentor, John Cassavetes, deu um conselho que abriu os olhos do baixinho: "Você gastou um ano inteiro de sua vida fazendo um pedaço de merda. Agora vá fazer um filme pessoal." Agora, em Caminhos Perigosos (Mean Streets), consigo perceber um Scorsese mais pé no chão e confiante em imprimir suas vivências como ítalo-americano no bairro de Little Italy, sem receio de arquivar seus discursos estéticos e políticos. Tal acerto pode ser interpretado como um temor de tomar outro "tapa na cara" de Cassavetes, de ...

Crítica - Amores Materialistas (Materialists)

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Em seu primeiro filme, Vidas Passadas (Past Lives), lançado no ano retrasado, Celine Song consegue cadenciar um tempo elástico que, ao se chocar com a vida terrena, transforma-se em uma força metafísica que empurra seus personagens para uma determinada fatia do tempo. Eles — os personagens — estão subordinados a esse tempo; não existe protagonismo nem antagonismo. O ritmo interno se instala naqueles espaços como uma força que atravessa a materialidade da carne. No fundo, trata-se de um compasso mais interessado no espiritual do que no narrativo. Esse é um dos tropeços mais recorrentes no minimalismo, quando o tempo carrega consigo a mais pura escassez sensorial. Ou, de modo mais preciso, são filmes que vestem uma roupagem labiríntica, mas acabam se tornando pobres quando a colisão desses recursos recusa ecoar o próprio vazio que instauram. Song , no entanto, consegue economizar na estética de modo que essa contenção não resulte numa redução subjetiva. E...