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Crítica - Caminhos Perigosos (Mean Streats)

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O próprio Martin Scorsese reconheceu seus escorregões formais. Em entrevistas posteriores, ele tentou descer um pouco mais abaixo da superfície, criticar a exploração da classe trabalhadora e a violência sistêmica em Boxcar Bertha (1972) , mas, por causa de um entusiasmo marcado por uma busca autoral, culminou num trabalho que soa mais ansioso do que algo que crê no subjetivo. E foi durante o processo desse longa-metragem que seu mentor, John Cassavetes, deu um conselho que abriu os olhos do baixinho: "Você gastou um ano inteiro de sua vida fazendo um pedaço de merda. Agora vá fazer um filme pessoal." Agora, em Caminhos Perigosos (Mean Streets), consigo perceber um Scorsese mais pé no chão e confiante em imprimir suas vivências como ítalo-americano no bairro de Little Italy, sem receio de arquivar seus discursos estéticos e políticos. Tal acerto pode ser interpretado como um temor de tomar outro "tapa na cara" de Cassavetes, de ...

Crítica - Amores Materialistas (Materialists)

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Em seu primeiro filme, Vidas Passadas (Past Lives), lançado no ano retrasado, Celine Song consegue cadenciar um tempo elástico que, ao se chocar com a vida terrena, transforma-se em uma força metafísica que empurra seus personagens para uma determinada fatia do tempo. Eles — os personagens — estão subordinados a esse tempo; não existe protagonismo nem antagonismo. O ritmo interno se instala naqueles espaços como uma força que atravessa a materialidade da carne. No fundo, trata-se de um compasso mais interessado no espiritual do que no narrativo. Esse é um dos tropeços mais recorrentes no minimalismo, quando o tempo carrega consigo a mais pura escassez sensorial. Ou, de modo mais preciso, são filmes que vestem uma roupagem labiríntica, mas acabam se tornando pobres quando a colisão desses recursos recusa ecoar o próprio vazio que instauram. Song , no entanto, consegue economizar na estética de modo que essa contenção não resulte numa redução subjetiva. E...

Crítica - Bailarina - Do Universo de John Wick (Ballerina)

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Acho que, num pensamento que preze por uma evolução da linguagem e um avanço do sujeito que está começando a ingressar no audiovisual, existe uma percepção errônea com a experiência de um espectador que ainda não ganhou malícia e não sabe dizer como aquela tal experiência trouxe um impacto para si.  Antes de tudo, o dever do crítico é mediar e sujar as mãos, ou seja, o trabalho do crítico é resgatar aquilo que foi soterrado para um diálogo que cite como seus elementos formais se casam com os demais aspectos ou se o formalismo se escora em seu próprio mecanismo. Tenho observado ultimamente que muitas pessoas ficam perdidas em como seu próprio gosto será construído, e minha intenção aqui também é oferecer um caminho mais breve. Pois bem, existe uma grande diferença entre emoção e qualidade formal. É claro que não há problema nenhum em se emocionar quando certos apelos tocam na ferida, mas, às vezes, esse encanto pode se misturar em distanciamento.  Quer d...

Crítica - Todo Tempo que Temos (We Live in Time)

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O tempo, se for seguido por um caminho que vá pelo ritmo interno, pode soar desrespeitoso com o espectador, se aqueles acontecimentos forem articulados como um tempo que não consiga definir bem por onde trilhar, servindo apenas como peso morto. O corpo do público acaba pesando com as horas, as costas doem pela posição em que estamos sentados. Logo, se for levado por uma dialética que englobe o espectador como um membro do todo, ele faz parte do tempo, mas o seu tempo fica à mercê. Requer um controle muito mais tátil do que os demais usos, pois é onde o ritmo das ações decai para que o ritmo dessa diegese se sobressaia. E, é claro, como todo uso de linguagem sem nenhuma finalidade, pode sofrer por uma vaidade quando o autor não consegue definir muito bem uma ordem das ações, ações essas que deixam de ser fechadas para que elas sejam expostas como o resultado dessa poética, tornando-se uma armadilha que pega uma intenção acadêmica que está ali por pura pose. E, aq...

Crítica - O Açougueiro (Le Boucher)

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Corresponde muito bem a uma coesão formal no que diz respeito a como o Claude Chabrol vai fazer uma espécie de copiar e colar — é claro que isso não será de modo rígido, em certos aspectos — em seus demais trabalhos como diretor de cinema. Basicamente, os que passaram pelas mãos de Chabrol foram uma recusa por aquilo que se apresenta como belo e puro, e O Açougueiro (Le Boucher), lançado em 1970, decreta um manejo muito característico nas obras de Chabrol: um niilismo estético. Servindo como uma espécie de engenheiro mecânico que fabrica esboços futuros com as mesmas características — óbvio, cada um com sua particularidade enquanto algo próprio, mas que, em seu conteúdo, é recheado por elementos que trazem muita similaridade —, basta observar como seus filmes futuros irão se utilizar dessa mesma visão. Filmes como Juste Avant La Nuit (1971), Les Noces Rouges (1973), Violette Nozière (1978), Une Affaire de Femmes (1988) e La Cérémonie (1995). Então, O...

Crítica - The Alto Knights (2025)

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Eu sempre tive em mente que, se um projeto audiovisual optar pelas manifestações sociais, deve manter obrigatoriamente uma fidelidade ao contexto e responsabilidade sobre a representação. De grosso modo, o autor deve tomar muito cuidado com suas escolhas de linguagem, pois, se não, a imagem se torna uma propaganda daquilo que não foi verídico. Ao mesmo tempo que o cineasta é aquele que retoma, ele pode ser o disseminador de ideias e ideologias que foram derramadas por causa de um mau proveito. E é esse tom agridoce e satírico que me incomoda nesse novo filme de Barry Levinson, quando esse trabalho se correlaciona com certas escolhas de linguagem que estão mais preocupadas em ser exibicionistas do que virtuosas de fato. Um filme como Rain Man , de 1988, prioriza um realismo maior, pondo em evidência uma continuidade linear de campo e contracampo nos diálogos. Em última análise, The Alto Knights (2025) , em sua totalidade, revela uma vaidade autocentra...

Crítica - Ainda Estou Aqui (2024)

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Baseado na autobiografia de Marcelo Rubens Paiva (publicada em 4 de agosto de 2015), Ainda Estou Aqui (2024), dirigido por Walter Salles, acompanha a história de Eunice Paiva, que aqui é interpretada por Fernanda Torres e por sua mãe, Fernanda Montenegro. Trata-se de uma mulher que vive no Rio de Janeiro do início dos anos 1970, com seu marido, interpretado por Selton Mello, Rubens Paiva — ex-deputado federal cassado — e seus cinco filhos, numa “vida plena” à beira da praia. Até que Rubens Paiva é preso, torturado e morto. Se tirarmos todo o contexto político explícito do filme, tudo será coberto por algo muito mais simplório e que, em um primeiro momento, pode parecer bobo, ingênuo, que é uma capa heroica bordada por essa linha familiar em que o próprio Rubens Paiva é o protagonista de sua casa. E isso, de certa forma, ultrapassa essa barreira de seriedade política quando tocada por esse arco sagrado e intocável, de modo resumido, transcende essa fo...